Afundo os pés nela e me vêm uma lembrança do tempo que a gente nem se lembra, sabe?! De repente sinto na boca a textura estranha desses microscópicos grãos, do amargor e da expulsão imediata e frustrante depois do fascínio tátil. Dependendo da consistência e se as mãos forem pequeninas e gorduchas como uma retroescavadeira incontrolável, pegar areia pode ser quase como pegar vento. Tenho comigo uma necessidade incontrolável de tocar em tudo – um perigo!
Isso deve ser algo mal resolvido dessas fases que o Freud falou mas que nem quero mexer porque é muita areia pro meu caminhãozinho existencial.
O que interessa aqui é a viageira filosófica à beira mar: não conseguir se apossar plenamente de um punhado de areia ou sentir seu gosto indigesto após tanta admiração pode ser um grande aprendizado para lidar com as perdas futuras. Não que tenhamos que nos conformar; de jeito nenhum! Mas o que seria de nós se não aprendêssemos a levantar, sacudir a areia e dar a volta por cima?
E é muito sobre isso – o perder e se achar – que a magnífica Natália Ginzburg (1916-1991) escreve em seu “As pequenas virtudes”. Aqui no Brasil traduzida há poucos anos e muito menos famosa que seu filho historiador Carlo Ginzburg, essa grande mulher, nascida na Sicília, que além de escritora e tradutora, participou da resistência ao nazifascismo, nos ensina a olhar para o cotidiano – mesmo com todos os medos à bater na porta – com palavras de uma precisão e inteligência impressionantes, desprovidas de firulas vazias.
Escrevendo sobre o escrever nos diz:
“Somos continuamente ameaçados por graves perigos já no ato de preencher nossa página. (…) há o perigo de ludibriar com palabras que de fato não existem em nós.”
Enfio agora minha mão – já com sinais de envelhecimento – na areia. Procuro palavras que, mesmo roubadas, sinto como minhas. Procuro reter o que cabe em mim.
A areia sempre ensina.