Imaginação

Nessa rua mora uma princesa. Ela deve ir até aquela torre mirar o horizonte, em busca das velas acenando a chegada do príncipe encantado. Quando não enxerga a tão esperada embarcação, seus olhos ficam marejados e, de seu peito, um longo suspiro ecoa pelos ares. A imaginação de uma criança em frente a um castelo. Não importa qual castelo. Não importa qual criança. Os contos de fadas acompanham os pimpolhos.

Na infância eu costumava passear no centro da cidade com minha mãe. Todas as quartas-feiras encontrávamos meu avô no Café Ryan, que ocupava o andar térreo do Edifício Santa Cruz. Local tradicional daquela época onde artistas, jornalistas, políticos e gente como eu e minha mãe encontravam-se para degustar um café gostoso e conversar. As pessoas que frequentavam eram bonitas. Os homens usavam terno e muitos até chapéu tinham na cabeça. As mulheres eram poucas, mas, as que ali se faziam presentes, usavam vestidos ou bem justos, delineando a cintura com uma pequena fenda atrás, ou bem rodados e acinturados. Todas com sapato de salto alto. Umas rainhas.

Eu amava esse dia da semana. Primeiro porque encontraria o meu ídolo – aquele que me dava colo, me ensinava a ler, contava histórias da nossa terra, me deixava beber uma xícara inteira de café acompanhada de um sonho recheado de doce de leite. Em segundo, eu sabia que depois que saíssemos do café, iríamos caminhar e ele me levaria até a rua daquele castelo. E, me contaria, outra vez, a história da princesa que ficou presa na torre e seus cabelos cresceram tanto que o príncipe subiu por eles e a libertou, vivendo felizes para sempre.

Um tempo atrás, sai com meu grupo de bike pela orla. Ao chegarmos na Usina do Gasômetro, uma das meninas nos convidou para subir a Rua Fernando Machado. Perguntamos o que iríamos fazer lá ela respondeu: estou com saudades da rua em que morei com meus pais e irmãos. Bem, saudades a gente tem que respeitar. Lá fomos nós carregando nossas bicicletas. Na esquina com a Rua General Vasco Alves, nossa amiga parou e percebemos sua emoção.

– Teu pai ou avô também te contavam histórias de princesas em frente a esse castelo? – perguntei.

– Não, eu nasci e vivi aqui até minha adolescência – ela respondeu. Antes, sei que foi uma casa noturna, frequentada por artistas e intelectuais. Li, em algum lugar, que Mário Quintana, Iberê Camargo, Nelson Gonçalves e Cecília Meireles prestigiavam o local. Amo esse lugar!

No retorno do passeio de bike, fiquei pensando no tempo em que eu imaginava haver uma princesa no castelo. Na verdade, nesse período era essa minha amiga recente que ali residia. Ela nunca teve uma coroa e nem gostava de príncipes, segundo me confessou. Quando meu avô me visitar em meus sonhos, vou contar a ele o engano. Mas não direi que não existem princesas e nem príncipes. Ele pode se chatear. Precisamos manter acesa a chama da nossa imaginação. E eu também amo as minhas histórias na cidade alegre.

O que faz a gente amar um lugar? Penso que são as lembranças que não abandonam nossa memória e, por serem tão boas, geram saudades.


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