Distâncias

A vista de longe ou à certa distância guarda, sempre, revelações. A distância pode ser muito relativa, de centímetros a quilômetros, de horas a séculos, de ângulos, luzes e sombras. Também em corpos, mentes e corações. E se o distanciamento nos permite enxergá-las ou senti-las é porque somos nós, também, relativos. Mesmo os que parecem duros e imutáveis como pedra. Tudo se revela ou não a depender do nosso olhar.

O mundo é o que vemos, perpassando pelos cinco ou mais sentidos (sim pois alguns tem um sexto, sétimo ou mais). A pele por exemplo, tem mais que o tato. Tem os poros. Por eles a gente transborda. O suor do medo, da alegria, do esforço, da ansiedade, dos suspiros e gemidos. E por eles se adentram coisas também, geralmente, aos arrepios!

Como ver o céu e o desenho das nuvens entremeio aos corredores dos edifícios ou dos casebres das ruas apertadas? Como pode-se ver e sentir a cidade em meio a fumaça, ruídos de ônibus lotados, de buzinas nervosas, de gente apressada e mal-educada? Por meio das frestas.

Morei no centro de Porto Alegre por 16 anos. Aportei lá aos 14. Época em que se podia vagar pelas ruas com certa segurança e olhar as pessoas por distração. Eram os anos 80. Ali se concentrava muito do comércio, do lazer, das artes e das gentes. Circulavam todo tipo, em contrastes. Das gravatas e ternos, aos farrapos. Mendigos se depositavam aos sacos sob as marquises; hippies pelas calçadas, estudantes, trabalhadores formais e informais. Enfim, a humanidade adensada num microcosmo.

Nas perambulações pelas ruas do centro a pensar a vida à altura do adolescer, foi quando vi, pela primeira vez, a fresta. Era domingo. Dentro de mim ecoava The Wall, Pink Floyd. Eu voltava do lazer possível. Suspirar uma Coca-Cola gelada na lancheria Haiti. Na Salgado Filho a vi. Lá, no fundo do alto entremeio ao corredor cinza formado pelos prédios, estava o céu azul enfeitado de nuvens.

Hoje, a bordo do catamarã, a visão é outra. Ampla. O gasômetro agraciado pelas nuvens a céu aberto. O rio abraça e dá contorno ao centro da cidade. Embora se saiba que, em seu miolo, persistam todo tipo de violência, desigualdade, pobreza e sofrimento, há beleza e liberdade. Vida e morte. Poesia.

Ao som do singrar das águas, pensei que, para bem ver, é preciso se alonjar. O olhar se aguça para dentro e para fora. Vemos sob a perspectiva do tempo em sua infinitude.


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