A cadeira 32

Chegar à cadeira que consta no bilhete de qualquer espaço, em geral, é para mim tal qual pescar em um grande rio desconhecido. Meu sinal de localização é falho, por isso pergunto aos recepcionistas qual corredor preciso trilhar. Mas existem cadeiras, com números e também sem numeração, que não são passíveis de compra. Para chegar a elas é necessário mais do que moedas, mais do que guias. Precisamos daquele conjunto de coisas que, corriqueiramente, denominamos circunstâncias aliadas à competência, persistência, sorte e paixão.

Quando criança meu desejo era sentar à cabeceira da mesa de jantar em frente ao meu pai. Não que quisesse eliminar minha mãe da família, que fique bem claro. Eu entendia que, ao sentar naquela cadeira, teria o mesmo poder de voz que ele e poderíamos debater sobre qualquer assunto cara a cara, olho no olho. Sentei uma única vez ali, ao comemorarmos o meu ingresso na faculdade. Recebi naquele dia o título de menina crescida.

Na vida adulta aprendi a sentar em vários tipos de mesa e cadeiras, usar todo e qualquer tipo de equipamento que auxiliasse levar comida à boca, vestindo a indumentária requerida no momento. Jantei em castelos e em ocas indígenas. Compartilhei mesas com sobrenomes de grife e gente igual a mim. O aprendizado foi a constante de todos estes momentos. Nasci no século XX, momento em que a história das lutas feministas por equidade e melhores condições de vida se mantiveram, ampliando as agendas – liberação sexual, uso de contraceptivo, trabalho e remunerações igualitárias. Entretanto, houve época em que até ser escritora não era permitido.

Jurity (pseudônimo), publicou seus poemas nos primeiros periódicos literários da província de Porto Alegre – O Guayba e Atualidade, pois a sociedade austera e patriarcal daqueles dias não permitia esse tipo de alimento cultural à mulher gaúcha. Os pseudônimos funcionavam como maquiagem de gênero. Nesse ponto geográfico definido como último estado do Brasil pelo traçado imaginário que desenha o mapa mundi, as mulheres, à semelhança de milhares de outras espalhadas pelo planeta Terra, lutam por suas causas e se ressignificam a cada conquista atingida. Essa poetisa não foi exceção. A despeito das convenções de época, suas escritas intensas, rítmicas e sonoras apresentaram o cotidiano, a subjetividade feminina, o amor, o patriotismo, a poesia marcada por temáticas socias e defesa de ideias igualitárias. Abria sua gaiola e voava, usando seus melhores talheres: inteligência, caneta-tinteiro, papel e sentimentos. Sem maquiagem, sem pedir licença a ninguém.

Talvez Jurity não tenha sentado em alguma cadeira numerada, talvez não sofresse do mesmo dilema que eu enfrento ao tentar localizar um número de assento em uma plateia. O que ocorre é que essa poetisa, tal como eu, foi arrebatada pelo amor à leitura e à escrita. Quando em uma visita a Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, me atrapalhei com bilhetes de ingressos na carteira e pedi ao guia para me conduzir à cadeira 32. Ali conheci Rita Barém de Melo – seu nome verdadeiro.


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