3 Carlos Hirschmann

Sou pombo, não correio

Voo curto, sem perder o chão, quero ser visto.

Saltitar na praça é o meu lazer favorito.

Com olhos ágeis de lince, acompanho como se fosse um radar o movimento do menino, que com grande prazer traz sementes na tentativa de agradar.

Num bater de asas, espanto os pequenos.

Pulo para o alto, observo rapidamente.

Vejo pontos correndo em todas as direções, medo estampado, alarmados.

Não sou ameaça. Apenas sigo meu instinto, colhendo com o bico o alimento que a natureza me oferece, movido pelo desejo de multiplicar minha espécie.

Vejo vidas, todas únicas. Ocupo um pódio, e minha cor representa a paz.

Assusto-me sempre com o soar forte do sino.

O tic-tac do relógio, no tempo marcado, anuncia as ave-marias, e eu me junto às minhas parentes mais próximas, as andorinhas.

O último raio de sol avisa a chegada da noite, trazendo de volta o sono e o convite ao descanso. O momento de fechar os olhos e deixar a menina sonhar.

Saí do ninho. Pulo no chafariz. Molho minhas asas. Numa dança repentina, celebro a vida que renasce.

Não aceito migalhas, asas cortadas, nem amarras.

Gaiola não é lar. Quero voar, pousar na praça. E se eu encontrar aquele pombo, vou reivindicar as memórias que ousou me roubar.


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