Voo curto, sem perder o chão, quero ser visto.
Saltitar na praça é o meu lazer favorito.
Com olhos ágeis de lince, acompanho como se fosse um radar o movimento do menino, que com grande prazer traz sementes na tentativa de agradar.
Num bater de asas, espanto os pequenos.
Pulo para o alto, observo rapidamente.
Vejo pontos correndo em todas as direções, medo estampado, alarmados.
Não sou ameaça. Apenas sigo meu instinto, colhendo com o bico o alimento que a natureza me oferece, movido pelo desejo de multiplicar minha espécie.
Vejo vidas, todas únicas. Ocupo um pódio, e minha cor representa a paz.
Assusto-me sempre com o soar forte do sino.
O tic-tac do relógio, no tempo marcado, anuncia as ave-marias, e eu me junto às minhas parentes mais próximas, as andorinhas.
O último raio de sol avisa a chegada da noite, trazendo de volta o sono e o convite ao descanso. O momento de fechar os olhos e deixar a menina sonhar.
Saí do ninho. Pulo no chafariz. Molho minhas asas. Numa dança repentina, celebro a vida que renasce.
Não aceito migalhas, asas cortadas, nem amarras.
Gaiola não é lar. Quero voar, pousar na praça. E se eu encontrar aquele pombo, vou reivindicar as memórias que ousou me roubar.