Silêncio. Silêncio… Silêncio!
Déa fica matutando sobre essa palavra: silêncio. E as diversas formas de pedir ou ordená-lo. Lembra de fotos antigas, no Sanatório de Rivera, onde sua mãe se hospitalizara para tratar de hérnia ou varizes. Nos corredores, estavam dispostas diversas fotos, em preto e branco, de uma linda menininha, parecida com Anne Frank, que, com o indicador nos lábios, fazia o pedido: silêncio. Todos obedeciam, pois não lembra de barulho quando ia visitar sua mãe no hospital.
Déa lembra de algumas de suas professoras, Teresinha, Edi, Ivone, Judith, pedindo silêncio, cada uma do seu jeito, uma mais carinhosa, outra mais autoritária, outras entre um e outro modo.
Déa não lembra de barulho no cinema, exceto quando ia começar a sessão nas matinês com três filmes, geralmente um de cowboy, uma comédia e algum outro, quando todos batiam os pés como se estivessem cavalgando. Depois que iniciava a sessão, não se ouvia um pio.
Déa ama literatura, música, teatro, cinema, vive dizendo que só a arte salva. Mas está cada dia mais difícil, diz a amigos e conhecidos, ir ao cinema, a shows e, especialmente, assistir teatro e concertos de música clássica. Continua a ir, mas já sabe que terá aborrecimentos com seus vizinhos de poltrona, pois as pessoas agora não param de fotografar e filmar, tudo para postar no Facebook ou no Instagram.
Não que Déa não poste; posta sim – tem muitos seguidores, inclusive. Mas considera que não é preciso gravar todas as músicas de um show, muito menos tecer comentários durante um filme ou a encenação de uma peça teatral. A atenção, rumina, é fundamental, pois aquele momento não se repetirá. Ainda que voltasse a assistir a mesma peça com o mesmo elenco. Ou pudesse assistir o mesmo concerto ou show. Cogita em levantar-se, no meio da plateia, e dizer como se estivesse declamando um poema: silêncio, silêncio…, silêncio!
Ainda vai fazer isso, talvez no próximo concerto de piano.