Estou em Buenos Aires, uma das cidades que, por diversas razões, mais amo no mundo. Uma cidade linda, com muitos teatros, cinemas, bares e restaurantes, gente culta, charmosa, bonita e elegante. Um povo que não se deixa acabrunhar, que não se conforma, que luta – e é muito comum ver, em qualquer época, passeatas e manifestações por direitos civis, direitos humanos e outras demandas, coordenadas por diversos movimentos populares.
Dois exemplos emblemáticos. As abuelas da Plaza de Mayo, que tiveram seus filhos e netos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar argentina. Semanalmente vão até a Plaza de Mayo, em frente ao palácio governamental, a Casa Rosada, demonstrando sua inconformidade e querendo respostas para suas inquietantes indagações sobre o paradeiro deles. Hoje, já localizaram mais de 130 netos e inclusive bisnetos, graças ao reconhecimento do direito à identidade que consiste no direito de cada pessoa conhecer sua origem, o que foi incorporado à Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança.
Também recordo, durante o governo Macri, a enorme passeata que tomou conta da Avenida de Mayo, a partir do Palácio do Congresso até a Casa Rosada, motivada pelo desaparecimento de Santiago Maldonado.
Sem saber de nada do que estava acontecendo, já que nossa mídia está sempre voltada para o Norte – Estados Unidos da América e Europa Ocidental –, fiquei arrepiada ao ouvir os gritos dos integrantes da passeata: Santiago Maldonado! Presente!, respondia a multidão. Vivo se lo llevarón, vivo lo queremos!
Pergunto para uma jovem mãe, na Plaza de Mayo, o que aconteceu. Pilar explica que a manifestação é motivada pelo desaparecimento de Santiago Maldonado, um jovem artesão que apoiava o povo mapuche, em Cushamen, comunidade rural na região patagônica argentina, tudo no contexto da perseguição governamental à população indígena. Pergunto-lhe se é da região patagônica ou da capital federal, e se participa de algum movimento popular ou partidário. Responde, serenamente, que não. Mas que sabe o que aconteceu na Argentina nos anos de chumbo e que não pode deixar de se solidarizar com uma mãe que não sabe o paradeiro de seu filho.
Pilar aponta para um menino, correndo atrás das pombas na praça, e me diz: preciso estar aqui, em solidariedade a Santiago Maldonado, em solidariedade a todos os desaparecidos e desaparecidas da ditadura militar. Faço isso por Santiago, pelo meu filho, por todos os argentinos, por todas as pessoas, para que nunca mais aconteça. Eu grito com ela e com todos que estão ali: Santiago Maldonado! Presente! Vivo se lo llevarón, vivo lo queremos!