3 Carlos Hirschmann

O tempo para

A saudade é o que faz as coisas pararem no tempo – Mario Quintana

Desde que o Cazuza determinou que o tempo não para, muito se especula sobre isso na bolha dos que tem um parafuso a menos ou tempo de sobra, eu incluso. Sim, já me vi várias vezes “parado” no tempo, pensando se essa afirmação tem base na realidade, ou se é só poesia mesmo. A propósito: por realidade, me refiro à do Cazuza que, convenhamos, era dura demais pra ser verdade.Sigo.

“O tempo não existe. E eu tenho 15 minutos para convencê-los disso”, brincou o físico italiano Carlo Rovelli, olhando seu relógio de pulso, numa palestra em 2012. Carlo é um físico popstar (no mundo deles), sendo conhecido como “o novo Stephen Hawking” pela sua determinação em tornar a física quântica acessível – e por sua prodigiosa capacidade de vender livros. A declaração serviu, claro, para prender a atenção imediata do público. Mais tarde ele esclareceu: Sim, claro que o tempo existe. Do contrário, o que é que sempre nos falta? E completou: “Você tem que pensar em um mundo em que o tempo não é mais uma variável contínua, mas uma outra coisa.”

Rovelli diz que sua adolescência foi “pura rebelião” – imagino que Cazuza diria o mesmo. O mundo em que ele viveu, conta, era diferente do que considerava “justo e belo” e, em meio a essa decepção, a ciência veio ao seu encontro – como Cazuza, se trocarmos ciência por musica. Nem físico nem músico, concordo e discordo de Carlo e Cazuza. Explico (mas não muito): na minha concepção não quântica, se pensarmos “fora da caixa”, dá sim para parar o tempo. Essa “outra coisa” que o cientista se refere pode ser congelada em si mesma através de fotografias, textos, memória e, claro, pela saudade (vide a epígrafe – obrigado, Quintana!). Basta ter sido importante, risos e lágrimas incluso.

Como todos, tenho meus “tempos específicos” parados, registrados em fotos – poucas impressas, confesso – e momentos congelados no tempo da minha memória, guardados “de cabeça”. Em foto, mantidas em algum lugar: o momento da bola de futsal jogada pra cima ao vencer o campeonato; aquele abraço da mãe (o último, infelizmente); o primeiro autógrafo; alguns reencontros. De cabeça: o beijo do amor da vida inteira (que não vingou, diga-se); a bicicleta comprada com o primeiro salário; os sorrisos da mãe (todos); as serenatas que deram certo, as que não deram; aquela tarde no parque, no dia em que me demiti (de novo) e fiquei mais uma vez desempregado, mas cheio de orgulho.

Nesse dia, na Redenção (que nome apropriado!), eu me lambuzava com a liberdade de um  sorvete quando reparei no gurizinho que vinha correndo, a mãe atrás, esbaforida. Como uma pedra atirada, ele atravessou um bando de pombos que se refestelavam de migalhas, provocando um esvoaço. Aos pulos, ele balançava os bracinhos pra cima, rindo muito dos pobres columbídeos que fugiam. Até que a mãe o alcançou e o levou embora, aos puxões. Tenho certeza que, para ele, aquele minuto congelou, naquele momento. Sem foto, sem importância, neste tempo dito que não para, talvez ele não se lembre. Mas eu sim.


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