9 Guto Monteiro

Kryptonita

No final de semana, sem planejar, vi um filme antigo, talvez com trinta anos ou um pouco menos, no qual, em sua abertura, estou com dois chapéus de aniversário de criança compondo um arranjo na cabeça que se parece com chifres. Já estava lá um certo destemor diante do ridículo. Talvez sempre tenha estado, desde tempos ainda mais remotos. Coragem semelhante à de abrir uma crônica com frase longa e crivada de vírgulas.

Digo isso para trazer a questão: quanto este estado de liberdade do “permitir-se” se mostra, hoje, em sua vida? Todos, ao menos na infância, usufruíram desta condição. É quase um superpoder. Sabe como sei? Basta olhar para adultos sisudos diante de uma criança ainda bebê a fazer beicinhos, sons de pum, caretas, piruetas ou gracejos. Conquistar uma risada é o prêmio almejado; a certeza de não ser julgado pelo infante, a implícita permissão.

Nossa kryptonita social é o julgamento alheio.

Tenho a convicção de que não deveria ser tão palhaço, ao menos devido à criação germânica. Já disse, mas repito: um alemão cuida do jardim de casa metade por gostar de ver bonito, metade por medo do julgamento do vizinho. E nem sempre se dá conta de que esse medo nasce de sua própria severidade no olhar. “O que os outros vão pensar” é uma frase que minha mãe repete sem se dar conta das implicações. Não a julgo, pois foi ensinada a ser assim.

Aliás, também fui. Como sei? Clara, filha do meio, vive com receio de mandar vídeos cantando, tocando violão ou acordeom. De onde vem o medo do julgamento? Devo dar pistas de que, em regra, sou exigente. Mas também não sou, ora. Consigo estabelecer as instâncias onde a excelência deve ser a meta e, por exclusão, onde se deve ter a leveza da fruição pura e simples. Vê-la adotando a música em sua vida é meu maior orgulho e ponto.

De volta ao permitir-se ridículo, eis aí uma vacina interessante ao mal de se levar muito a sério e sucumbir diante da kryptonita. O que os outros vão pensar deve ser sempre menor do que o que cada um pensa de si por si. Dar de ombros para julgamentos é muito libertador. Ridículo, ridículo mesmo, é olhar para trás e só encontrar recato, bons modos e retidão na memória. Sejamos poderosos como crianças!


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