6 Flávio Wild

Gritos e sussurros

Hoje é um dia muito especial. Não é à toa que deixei para fazer esta crônica na prorrogação do segundo tempo. Sabem, por quê? Renan, meu primogênito, completa trinte e nove anos.

Parece que foi ontem que tudo aconteceu.  Foi um dia cansativo de trabalho.  Desci da  lotação e caminhei vagarosamente pela rua e calçada, indo em direção ao meu pequeno lar. Estava sentindo um vazio dentro de mim. Faltava algo. Abri a porta dos fundos e entrei em casa. Estava vazia, sem vozes ou qualquer barulho. Sem graça!

Naquele momento descobri que era a hora de ter um filho para completar a nossa vida. Meu marido também teve a mesma sensação quando chegou em casa. Juntos resolvemos fazer o planejamento. Éramos dois jovens quase recém-casados, começando uma vida nova, numa cidade diferente daquela em que havíamos vivido até então. Naquele tempo ainda conseguíamos organizar nossos planos. Acredite se quiser.

Sendo bancária de um grande banco estatal e sabendo de antemão que ninguém conseguiria férias nos famosos e concorridos meses de janeiro e fevereiro, tinha que bolar um plano a fim de conciliar licença maternidade com o descanso anual merecido e pegar umas praias com a família, juntamente com o pimpolho e com o marido, nas águas oceânicas de Niterói, RJ.  O plano deu mais ou menos certo, mas…

Os meus sogros adoravam vir a Porto Alegre, tinham parentes aqui, além de meu cunhado, esposa e filhos, seus netos. E agora, nós! Resolviam vir de uma hora para outra. Avisavam em cima do laço, como se diz. E por uma questão de afinidade comigo e de ser a nora preferida, sempre ficavam na nossa casa.

Ocorre que o meu planejamento era engravidar naquele mês de janeiro para que o bebê nascesse em outubro e eu conseguisse passar o período da licença maternidade e férias durante o verão.

A casa em que morávamos era minúscula, possuía um quarto de casal, um gabinete pequeno, onde o meu padrinho de oitenta anos dormia (ele residia conosco – essa será uma próxima história) e um sofá-cama na sala onde ficavam os pais de meu marido.

Imaginem só a situação. Estávamos cheios de amor e tesão um pelo outro. Estado emocional próprio de dois jovens apaixonados querendo começar sua prole. Estava no período fértil, porém havia uma plateia nos cômodos ao lado.

Como conseguiríamos fazer amor sem termos nenhum constrangimento, sabendo que eles poderiam ouvir sussurros e juras eternas? De qualquer forma não poderíamos perder tempo. Ou era agora ou nunca. Janeiro já estava correndo e outubro estava logo ali.  O pior é que os hóspedes dormiam tarde, tomavam chazinhos à meia-noite na cozinha ao lado de nosso quarto e nada de irem dormir. Cansamos de esperar.  Então, tomamos coragem e fomos à luta, mudinhos, de portas trancadas. Engravidei.

No dia 21 de outubro daquele ano, em pleno horário de expediente comecei a sentir as primeiras contrações. Peguei uma carona com um colega que queria me deixar no hospital. Disse que não era necessário. Que nada! Estava morrendo de dor. Menti. Peguei um taxi que me falou a mesma coisa. Continuei suando frio e aguentando cada contração cada vez mais forte. Ao chegar em casa, minha mãe disse que teria o filho naquela noite. Respondi: bobagem! Só estou com quarenta semanas. Fui tomar um banho enquanto meu marido iria começar a abocanhar um baita sanduiche. É claro que nada disso aconteceu. Dei um grito terrível. Todo mundo correu para me acudir. O sanduiche ficou intacto na mesa. Fui para o hospital imediatamente e na hora não tão certa, porque o médico me passou um carão dizendo que havia gastado oxigênio antes do momento correto, gritei:  nasce meu filho! Pouco tempo depois, meu marido cortou o cordão umbilical, ouço um choro e ele diz: é o meu guri!!


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