Você, não sei, mas eu declaro: de forma recorrente me sinto “fora do aquário”. Uma resposta imediata produzida pelo meu organismo ao mirar um mundo ao qual, em momentos, tenho dificuldade em acreditar que a ele pertenço.
De imediato esclareço – me percebo como uma pessoa comum, com erros e acertos, metade sol e a outra caverna. Por vezes, mais caverna. Usando a ideia do mundo ser um imenso tanque de água, ao saltar, escapo dele, olho pelo vidro e aciono a chave: reflita. Por vezes fica difícil acreditar no que vejo, ficando perguntas a enviar ao Bispo. Sim, quando não sei a quem recorrer, escrevo para esse líder espiritual, apresentado questões e minhas indagações. Receita de minha mãe. Segue algumas já enviadas.
Outubro de 2024. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, o percentual de 75% corresponde a população brasileira que depende, única e exclusivamente, do atendimento de saúde pública. Entretanto 4% do PIB do país financia a saúde pública enquanto 6% são destinados à saúde privada. Tudo bem, a educação não anda bem por aqui e 73% é o indicador de alunos de 15 anos de idade com mal desempenho em Matemática nos dados do PISA em 2022. Será que no rol de alunos avaliados houve infiltração de gestores da saúde pública brasileira? Ou com a idade a gente desaprende a ciência dos números? Desculpe, outra questão para Vossa Excelência Reverendíssima.
Meados de 2019. Um artista italiano leiloou uma banana presa na parede por, aproximadamente, 670 mil reais, tendo o comprador recebido um certificado de posse da obra. A cada dois ou três dias, a banana que fora colada com um adesivo na parede, era trocada. Em relatório da ONU desse mesmo ano, é apresentado que mais de 828 milhões de pessoas passavam fome no mundo. O que leva alguém a investir esse dinheiro em uma folha de papel ao invés de destiná-la a uma causa humanitária? Aguardo suas considerações, Vossa Excelência Reverendíssima.
Maio de 2024. Um bilionário, com patrimônio estimado em 1,3 trilhão de reais, em evento público, recomenda que os jovens iniciem uma família imediatamente, informando que o número ideal seria pelo menos três filhos. Além disso, que a presente crise demográfica da humanidade deveria ser preocupação majoritária embora tenha reconhecido que alguns casais possam ter dificuldades financeiras… Corta.
Segundo IBGE, a renda média do trabalhador brasileiro, em 2023, foi de R$1.848,00, e o salário família, por filho, de R$59,82 para quem ganha até R$1.754,18. Pela renda média pesquisada, ninguém ganharia salário família. Por essa mesma fonte, as despesas com um filho no Brasil até os 18 anos podem variar entre R$239 mil e R$3,6 milhões. Viveria esse bilionário, com seus mais de 10 filhos no Brasil, por uns cinco anos, com a renda do operário nacional? Se sim, esse ilustre ricaço será um alquimista? Terá a fórmula de multiplicar os pães? Espero resposta de Vossa Excelência Reverendíssima.
Junho de 2023. No Fórum Brasileiro de Segurança Pública foi apresentado que, em média, 18,6 milhões de mulheres brasileiras, acima de 15 anos, sofreram alguma violência durante 2022, sendo 245.713 vítimas de familiares. Em julho de 2024, o mesmo fórum informou que, 258.941 mulheres em 2023 sofreram algum tipo de violência doméstica, com um aumento de 9,8% comparando com 2022. O feminicídio aumentou nesse mesmo período em 0,8% sendo que 84,2% dos matadores, em algum momento, declararam afeto às suas vítimas. Bispo, por favor, responda: quem mata por amor, assinando um Termo de Ajustamento de Conduta, tipo a de quem infringe uma lei ambiental, acessa o paraíso?
Sinceramente, melhor doar minha calculadora, esquecer as regras de matemática, ficando mais tempo dentro do aquário, nadando em círculos. Pela sanidade mental, minha e da Vossa Excelência.