5 Iara Tonidandel

Palavras compostas

Certas coisas são tão lindas que não cabem em uma única palavra. É preciso duas delas, enlaçadas, para dar conta de nomear essas belezas. São palavras compostas, aprende-se na escola. Algumas precisam vir acompanhadas de preposição, outras carecem do uso do hífen, outras não. Compõem-se por aglutinação, como girassol, ou justaposição, como beija-flor, brinco-de-princesa. Existe um lugar onde costumo colher essas palavras, sem a sombra dos arranha-céus a encobrir o horizonte.

O jardim da D. Marly é uma gramática poética viva, onde apanho essas palavras que me encantam. Encravado num bairro próximo ao centro da cidade, guarda uma variedade de flores, árvores e folhagens que se multiplicam numa ordenada profusão de cores, formas e cheiros. No gramado de um verde-esmeralda brilhante, sabiás-laranjeiras se fartam com minhocas, enquanto as saíras-sete-cores disputam com os bem-te-vis os pedacinhos de pão que as crianças espalham sem parcimônia. É um corre-corre danado!

Há por lá uma bergamoteira frondosa, que se espalha sobre o telhado da meia-água. Na época da fruta, seus galhos ficam pesados e generosos, carregados do agridoce sabor que a gauchada tanto aprecia. Mas essa bem-aventurada bergamoteira tem um particular: ela se transformou, já há alguns anos, em berçário de beija-flores. Quando menos se espera, avista-se o ninho, tão frágil quanto bonito. Feito com fios de teia de aranha, chumaços de paina, musgo e cascas, parece um pequenino chapéu de bruxa de ponta para baixo. De engenharia delicada, abriga os ovos, um ou dois, e os genitores. É preciso proteger os recém-nascidos de predadores como aranhas-caranguejeiras, gatos vira-latas e corujas-buraqueiras. As bergamotas são retiradas com todo o cuidado, para não perturbar os condôminos.

Em pouco tempo, alçam voo pelo jardim, em busca do néctar que se oferece, farto e diverso. Sobrevoam os brincos-de-princesa, que pendem, graciosos, do madeirame. Dão rasantes sobre os amores-perfeitos que revestem de cor os canteiros retangulares. Brincam de esconde-esconde na copa lilás do jacarandá-mimoso, e, num instante, voejam entre as pétalas roxas do manacá-da-serra.

Nesse jardim de delícias, ao fim da tarde sopra um vento sem pressa, porta-voz de esperanças e delicadezas. Com sorte, depois da chuva, pode-se avistar um arco-íris enquanto se bebe um café quentinho e se joga conversa dentro. Mas, prepare-se, de vez em quando, um beija-flor passará dançando diante de seus olhos. Não pisque! Ao anoitecer, chegarão também os morcegos, há espaço para todos nesse pedaço de chão onde florescem palavras, pessoas, passarinhos… Até um porco-espinho já aprontou por lá, praticando tiro ao alvo no focinho da boxer Mel.

Criatura tão pequena, o beija-flor. Chamam-lhe também por outros nomes: colibri, cuitelinho, guanambi. Palavras simples, incapazes de dar ao ser o significado que ele de fato tem. Por isso a palavra composta entra em cena, verbo + substantivo, beija-flor. Cuitelinho só vai bem na voz de Milton Nascimento e na poesia de Xandó. Imaginem Cazuza compondo Codinome Guanambi – sabe-se lá que rimas ocorreriam ao poeta! E poderia a Timbalada pedir beijos ao colibri? Poderia, mas não seria a mesma coisa. 


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