“Hey mãe! / Eu tenho uma guitarra elétrica / Durante muito tempo isso foi tudo que eu queria ter / Mas, hey mãe / Alguma coisa ficou pra trás / Antigamente eu sabia exatamente o que fazer”
Humberto Gessinger
Ei, mãe.
Eu vi uma máquina de costura.
Estava em uma foto. Ao redor da máquina paredes de uma casa humilde. Talvez tão humilde quanto a primeira casa em que vivi. Contigo, com o pai e com a mana.
E tu também tinhas uma máquina de costura. Manual como a da foto. E tu também costuravas. Para mim foram algumas camisas. E me lembro principalmente das calças, como uma calça azul marinho que ia compor o uniforme da escola, naquele tempo em que as escolas públicas demandavam uniforme providos pelas famílias. Ou uma vez em que fizeste para mim uma calça de veludo com pregas. Não sou muito de dar valor a isso, mas lembrando agora, devo ter achado a calça muito elegante. Ou talvez, agora lembrando, seja a minha recordação daquela vestimenta que a torne elegante.
Nesse novelo, uma lembrança puxa a outra. Tu não deves lembrar daqueles livrinhos que líamos na escola, da Coleção Vaga-Lume. Houve um título, Cabra das Rocas, do qual não me recordo praticamente nada. Mas me lembro que o protagonista refletia sobre sua infância e sua educação, e, nesse fiapo de minha memória, a mãe dele pedia a um grupo de freiras caridosas que fizessem as roupas dele. As freiras costuraram uma, ou talvez mais de uma, camisa que ele o personagem achou bonita. Contudo as calças eram mal costuradas por conta do que as freiras pensavam da relação das calças com as partes do corpo que elas cobriam. Pensar nisso hoje me faz achar essa história engraçada. E me faz valorizar o teu talento e esforço, mãe.
Quando nos deixaste, a tua máquina ficou na casa da Cefer. Quando a mana morreu, a casa foi vendida, com praticamente tudo dentro, a máquina incluída.
Às vezes me pergunto, mãe, se as coisas, como uma máquina de costura ou uma máquina fotográfica, são feitas para nós, ou se nós somos feitos para as coisas. Esses objetos podem durar mais que nós. Mas talvez percam sua alma. Depois de ti, a máquina de costura nunca mais costurou.
Eu sinto saudades, mãe.