3 Carlos Hirschmann

Ora, pombas!

Plasticidade, leveza, poesia, movimento, encanto. O revoar de pombas tem ótimo conceito no imaginário popular. Também é muito acessível: como essas aves tomaram todo o planeta e são (ou se tornaram?) urbanas, as praças estarão repletas de pombinhas, seja em qual país estivermos. Sozinhas, aos pares, em grupo. Em grande grupo. Enorme, muitas vezes.

Quando recorro à memória, o maior grupo de pombas que já vi foi na Praça de São Marcos, em Veneza. Um verdadeiro tapete em movimento. Lá, como aqui, elas dão pouca bola para os passantes – dificilmente levantam voo. Ficam em suas corridinhas pra lá e pra cá, escapando unicamente de pisarmos nelas. Claro que, se alguma criança aparece correndo na direção do grupo, elas decolam e oferecem plasticidade, leveza, poesia, movimento, encanto. Está no script.

As praças são pródigas em ofertar alimento. Pessoas comendo deixam cair farelos de toda ordem. Só quem se aventurou a comer um cachorro-quente do Rosário sabe o quanto é complicado ultrapassar a tarefa sem que alguma ervilha, milho ou batata palha pule para o chão. As pombas contam com isso. Há quem deixe o conforto do lar para unicamente alimentar as pombinhas e, mesmo com suas limitadas inteligências, sabem onde estão e quando aparecem tais benfeitores. Concorrem entre si na busca dos grãos e, ao findar o banquete, alçam voo sem mais delongas. Plasticidade, leveza, poesia, movimento e encanto.

Porém, há nos agrupamentos urbanos um lugar que podemos chamar, genericamente, de nosso telhado. Se o espetáculo propiciado por um grupo generoso de pombas nas praças oferece plasticidade, leveza, poesia, movimento e encanto, no nosso telhado o que fica são amontoados enormes de cocôs de pombas sujando tudo. Um horror. E elas também produzem uma poeira, sei lá, um negócio que não consigo definir, mas causa tosse e coça os olhos. Fica pior quando chega a primavera, e a primavera sempre chega – resolvem fazer ninhos. Filhotes de pombas defecam saindo levemente das palhas e os cocôs ficam escorridos nas paredes e vigas.

Aqui em casa estou sempre espantando as pombas. Piora consideravelmente ao chegar setembro e outubro. Ouvidos atentos, colho no arrulhar a chance de saber onde e quando chegaram e, dependendo da intensidade, sei que é um casal em busca de novo lar. Ganho delas no cansaço: mal pousam, já decolam. Elas costumam guardar na memória imediata o fato de não serem bem-vindas. Porém, esquecem de um ano para outro. E a luta continua. Plasticidade, leveza, poesia, movimento e encanto? Ora pombas, é o cacete!


gostou? comente!

Rolar para cima