Sentada no meu banco preferido da Praça Palestina, estrategicamente posicionado à sombra das árvores, abro o jornal, de trás para a frente, como é meu costume, e observo as pombas que revoam por ali, agitadas e barulhentas. Lembro do menino que corria entre elas, os braços abertos como as asas de um avião.
Certa feita, eu lia um mistério de Agatha Christie enquanto ele voava por ali. Instantes antes, insistia com a mãe para dar às aves migalhas de pão, como vira em algum filme. Ela explicou pacientemente que não é permitido alimentá-las, pois transmitem muitas doenças para seres humanos e animais, e quem o fizer pode até ser multado. Por trás das grossas lentes, olhinhos inquietos acompanharam as palavras maternas para, em seguida, voltar a correr.
Nem bem atravessou a praça de um lado a outro e a criança já estava de volta, fazendo a mesma pergunta e ouvindo a mesma resposta. Na terceira vez, a mãe fechou a cara e sequer respondeu. O garoto entendeu a resposta e voltou a disparar, sem se importar com a bronca silenciosa. A mãe estava certa quanto à proibição e a razão desta. Todavia, me surpreendia que ela, ciente disso, não se incomodasse com o filho a correr no meio dos bichos, que agitavam suas asas enquanto ciscavam o chão, defecando onde bem queriam e dando rasantes sobre o menino.
Como se lesse meus pensamentos, a mulher refletiu:
– Essa história de doença é balela, sabe. Coisa de cientista que não tem o que fazer. Mas eu é que não vou dar dinheiro pra prefeitura. Trago o Murilo aqui desde que era bebê e olha aí, um guri saudável, cheio de energia.
Ela continuou a falar, dizendo que a brincadeira preferida do filho era chispar entre as pombas, brincando de voar. Apenas balancei a cabeça e murmurei qualquer coisa, sem disposição para argumentar. Tenho um amigo, proprietário de uma empresa de rapel especializada em remoção de ninhos de pombos de prédios altos. Eles escalam os edifícios e retiram as aves e seus vestígios, levando-as para outro lugar, pois é proibido matá-las. Fazem a limpeza e vedam os nichos, para que não voltem a servir de abrigo. Segundo ele, um serviço ingrato e insalubre, mas paga bem. Trabalham usando muitos EPIs, pois o risco de contrair diversas doenças é grande, sejam elas causadas por fungos ou bactérias, transmitidas por contato ou inalação.
Vez ou outra esses riscos são amplamente divulgados pela mídia, corroborados por biólogos e médicos. Mas a mulher que sorvia o chimarrão, despreocupada, enquanto o filho se misturava às dezenas de pombos numa brincadeira sem fim, não acreditava. Pelo contrário: depreciava a informação. O grave, para ela, é que lhe pesasse no bolso uma eventual punição. Todos os dias a cena se repetia, e, a certa altura, foi acrescida de um toque furtivo. O menino passou a levar biscoitos nos bolsos e jogar pedacinhos por onde passava, atraindo o bando alado.
O jornal pesa sobre meu colo. Da penúltima página, olhos atentos me espiam em preto e branco, por trás de óculos redondos. As letras garrafais anunciam: “Morreu ontem o menino Murilo, vítima da ‘Doença do Pombo’. Logo abaixo, o subtítulo: “‘Não sei como isso aconteceu’, diz a mãe”. As pombas estão quietas, enfileiradas pelo passeio.
Jogo ao vento o jornal e as migalhas das palavras que não disse. A sombra de pequenos braços abertos em voo desaparece com a revoada.