11 Carla Penz

Quem não

Você já entrou em uma sala de espelhos? Quando mais jovem, era simplesmente um entretenimento vislumbrar as mudanças que os diversos formatos de espelhamento produziam em minha imagem. Entretanto, com o passar do tempo, essas ilusões óticas, principalmente do meu rosto, foram sendo alvo de reflexão e, mesmo no espelho do banheiro, dependendo da energia do dia, passei a ver mais do que faces diferentes. Vejo máscaras – de prazer, outras de medo, às vezes artefatos de angústia ou tristeza, e até maldosas, admito. Será que as outras pessoas percebem isso ao me olharem?

 Amigos e familiares me ajudaram com essa dúvida. Sim, pessoas que realmente te olham, responderam eles, percebem o que teu rosto retrata. Tuas emoções e sentimentos são refletidas em teu rosto, em teu olhar, na forma como comprimes ou não teus lábios. Teu rosto fala. Para aqueles que de fato te olham, claro, pois parcela significativa dos encontros pela vida, são cruzamentos, não há paradas para troca de olhares. Nos dias atuais, a correria se apoderou dos relógios, e paradas dependem de algum tempo, de disponibilidade, de interesse. Pensando sobre esse retorno, resolvi escrever sobre quatro máscaras que surgem em meu espelho.

A da surpresa, quando recebo notícias inesperadas, de conhecidos ou até de quase amigos que há muito não se fazem presentes – amigos efetivos, de uma forma ou outra, estão presentes assiduamente. Ou então, quando a mensagem do banco informa que seu cartão de crédito foi cancelado por ausência de uso, embora a taxa de anuidade esteja em dia – como eles iriam sobreviver sem eu me endividar, certo? Ou, raríssimas vezes, em premiação de algum sorteio – lembro do primeiro, que fui ganhadora de um ferro elétrico – imagina minha máscara!

Tristeza, quem não usa essa em seus dias. Reação a Perdas, deveria ser matéria curricular, pois é o que mais acontece nessa vida e, com isso, a máscara da tristeza se instala. Perdemos amores, amigos, oportunidades, horas de vida zapeando sem rumo, competições, a hora no trabalho, ilusões. Ah! Quando essas últimas ocorrem, além do rosto mascarado pela dor, o corpo se curva, mesmo que por momentos, retornando à prumo, obrigatoriamente, pois viver é aprender a resistir à tristeza.

E ela, a da raiva,  usando uma palavra mais nobre, da indignação. Essa é quase sem esforço que surge. Basta comentar ou pensar sobre as notícias dos jornais, os noticiários da TV, os motivos dos conflitos e guerras, nacionais e internacionais; ouvir os debates politicos em época de eleições, comparar o salário mínimo do operário brasileiro com, o dos juízes e desembargadores ou dos jogadores de futebol; acompanhar o número de pessoas na miséria e com fome e a quantidade de comida descartada mundo afora. E quando você acaba de pagar a última parcela do último modelo de celular e ele entra na Black Friday pela metade do valor… que ódio!

Bem, por fim, a da alegria. Essa é a mais fácil de resumir. Surge quando a família ou amizades,  abrem a porta da casa, dizendo – olha quem veio para o jantar! Quando recebo do carteiro os livros encomendados; ao ler notícias de que o dólar baixou, que mais mulheres estão empreendendo e vivendo; que o mês findou e os boletos pagos ainda deixaram saldo positivo na conta bancária; que filhos de amigos se casaram ou, presentearam-nos com netos ou com bilhetes de viagens. E, máscara mais que alegre, quando recebo pelo email meu próprio bilhete aéreo com destino qualquer. Viajar sempre me pinta o rosto de sorrisos.                

Em sonho, vejo refletida a daquela criança, ingênua, doce, meiga, sonhadora que um dia devo ter sido. Sonho, somente, sonho, pois crescer fez com que essa mascára, moldada por Zeus e batizada com o nome de esperança, seja a única que continua na minha Caixa de Pandora. Não posso correr o risco dela desaparecer ou ser abduzida por alguma máscara algoz que, vez ou outra, me mostrando a língua, arrebata minha imagem do espelho.


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