Perdoem a falta de folhas, perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha, os dias eram assim
Ivan Lins e Vitor Martins
Em 1978, quando de seu lançamento, a natureza talvez fosse tão somente uma metáfora para compor o espírito do tempo no tema Aos nossos filhos. Não que houvesse um desconhecimento sobre o impacto da civilização na paisagem, pois ambientalistas como José Lutzemberger, entre outros, ocupavam espaços destinados à denúncia da degradação do meio ambiente. Eram, porém, vozes isoladas e de abrangência pouco extensas.
É meio inacreditável para mim que já transcorreu quase meio século entre os proféticos versos e os dias de hoje. O interessante é que estou vivo para acompanhar o agravamento da situação e, com filhos jovens e uma bebê, o impacto seja potencializado no coração. Atenua muito o fato de as alterações ambientais serem algo que se dilui entre todos, restando para cada um uma parcela diminuta de responsabilidade. Porém, quase ninguém pode afirmar-se inocente sobre a oferta de um futuro mais sombrio.
O termo “sombrio” é metafórico, igualmente. Afinal, uma das mais dramáticas diferenças entre o passado recente e hoje é o dano provocado pela luz do sol em nossa pele. Agora, o tempo de exposição que minha rotina infantil permitia é considerado de risco. Sem protetor solar, então, impossível – o que não existia antigamente. E se as ameaças vêm pelo ar, é pela água que elas têm se tornado cruéis. Caso o planeta siga em marcha de aquecimento, toda a paisagem será alterada, entre outras consequências. E tudo isso se vê agravado pelas mãos do homem.
Acho graça quando os arautos do fim dos tempos bradam que devemos salvar o planeta. Ou que precisamos salvar a natureza. Salvar o futuro. Quanta bobagem… O que precisamos é nos salvar! O planeta, a natureza e o futuro seguirão seus caminhos apesar de nós, nunca graças a nós. O que me apavora, de verdade, é a impressão de que meus filhos sentirão na pele, com o perdão do trocadilho, o custo de nosso salvamento. Que tenham muitos sacrifícios em contraste com o tanto de fartura que pude usufruir, talvez de modo inconsequente.
A explosão demográfica que experimentamos, a doma das intempéries e o conforto moderno que a ciência alcançou podem estar com os dias contados. Outra vez, ainda e sempre, sofrerá mais quem menos possui privilégios. Posso estar com a razão embaçada pela névoa de más notícias e, com sorte, novas descobertas deixarão este texto com os mesmos ares de pessimismo de épocas passadas diante das revoluções que me precederam. É a esperança nas novas gerações o último suspiro de alento em minha passagem. Creio em nossos filhos.