Ao pé da escada, ela espera. Nunca a coragem de subir, sempre ali, ao rés do chão, diante do primeiro degrau de pedra. Os cabelos escuros, presos em um rabo de cavalo muito firme, as roupas simples, a bolsa tiracolo sobre o ombro. E aquele sorriso ensolarado que lhe enfeita o rosto com imensa ternura, às 18h02min. Junta as mãos diante do peito e vejo seus lábios se moverem. Aleluia, Senhor, é o que pronunciam. Todos os dias é assim.
Ao fim da tarde, de segunda a sexta-feira, eu a vejo ali, sob sol ou chuva, semana após semana. Da minha janela, observo a vida que passa pela calçada, ouço o bater do sino da capela anunciando o angelus. Vou sorvendo meu chimarrão enquanto o espetáculo se desenrola, gente que chega, gente que parte. Idosos arrastando as chinelas gastas, crianças carregando mochilas quase do tamanho de seus corpos. Carros apressados, buzinando tão logo o sinal fica verde. E ela. Sempre ela, à espera.
A Escada dos Amores, de pilares ondulados, com uma estranha espiral a decorar seu começo – ou seria seu fim? – é um ponto turístico da cidade. As pessoas costumam visitá-la, celulares em punho, fotografando a si mesmas em enquadramentos que não mostram a bela arquitetura, mas as redes sociais são tomadas por #escadadosamores #eufui. Aos noivos, dizem que dá sorte que se encontrem no degrau mediano, e se beijem, para um casamento duradouro.
Eu me pergunto se ela sabe dessas coisas. Se sabe, isso importa? Por certo que não. Um dia, ela chegou mais cedo, vestindo um avental de trabalho, o rosto moreno suado. Parou, respirou fundo, abanou-se com as mãos espalmadas. Então, atravessou a rua.
– A senhora pode me dar um copo d’água?
– Espere um pouquinho, que já trago.
Bebeu devagar, até o último gole. Pensei em puxar conversar, mas ela agradeceu e caminhou em direção à escada.
Parou poucos passos diante da espiral. Virou lentamente a cabeça para o lado e para o alto, como se visse o bonito guarda-corpo pela primeira vez. Aproximou-se, colocou a mão sobre o relevo esculpido na pedra, e com a ponta dos dedos, acompanhou o desenho, de dentro para fora, de baixo para cima. Fotografia tátil. Afagou a superfície curva e foi postar-se no seu lugar de sempre. Tirou o avental, dobrou-o pela metade e o enrolou, de modo a caber em sua bolsa.
18h00min. Escuto o barulho do ônibus amarelo e azul, que deixa os passageiros na parada da Rua Alta. As portas se abrem, um sobe e desce de rostos risonhos, preocupados, vazios, sozinhos ou aos pares. O coletivo arranca devagar, seguindo sua rota. Ela fica séria, nessa hora, a testa vincada de preocupação. Em dois minutos, o sorriso se abrirá. É o tempo que seu menino leva, com suas pernas curtas, para chegar ao alto da escada. É de lá que ele acena, a camiseta branca da escola, suja de poeira e tinta, um pouco de molho na altura do peito. Fartou-se da macarronada servida de merenda, das brincadeiras no parque, da aula de Arte com a professora.
Um dia. Um dia ela há de subir.
18h02min. Aleluia, Senhor.