No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
Carlos Drummond de Andrade
As pedras dos caminhos não estão lá para o tropeço e sim para a construção. No trajeto podemos encontrar de cascalhos e pedregulhos até verdadeiras montanhas de pedra. Umas derrubam, outras machucam pouco. As maiores impedem a caminhada; precisam ser removidas. Com elas se constroem muros ou escadas. E também o próprio caminho. Eu mesma já recolhi muitas na minha trilha. Algumas, só depois de tropeçar e cair. As escadas que edifiquei com elas me levaram a lugares de conforto e segurança. Os muros me afastaram de coisas, lugares, pessoas. Quase sempre, necessário. Caminhos macios trazem conforto imediato. Como andar em uma praia de areia fofa, o início é fácil, é bom, é carinho nos pés. Mas, quanto mais a caminhada se estende, mais lenta e pesada ela se torna. O que parecia tão fácil só era fácil porque não levaria a lugar nenhum. Mais vale um tombo que nos leve adiante, ainda que seja por raiva, do que o conforto que não exige esforço nenhum e termina nos estagnando.
Não digo que seja preciso dar de nariz no chão a toda hora, porque não é assim que acontece. A gente vai aprendendo a fazer dos obstáculos nossos aliados, ora juntando, ora desviando e ora removendo. Com o tempo, já não tropeçamos mais; uma bicadinha no dedão, no máximo. É aprendizado. Vida vivida. As adversidades ensinam e previnem. Pelo menos, sempre foi assim comigo. Eu não seria quem sou se não tivesse recolhido as pedras que me derrubaram e, com elas, construído algo positivo. Do contrário, estaria eu, até hoje, tropicando nas mesmas.
Não é à toa que as melhores histórias são recheadas de adversidades e superações. Experimente ler ou escrever um livro sobre a vida de quem nunca teve um tropeço. Que interesse tem para o leitor aquela vidinha medíocre, onde tudo é previsível e nada dá errado? O que torna uma vida interessante é o que o sujeito faz para superar as dificuldades, transformando os fatos e suas consequências. Mesmo quando a escolha não foi a melhor ou a transformação não ocorreu da forma prevista, mesmo assim, houve um movimento, uma vontade de enfrentar e não ser subjugado.
Todos os caminhos têm pedras, cacos de vidro, galhos em ponta, rosetas, pântanos. São ruas de fogo por onde temos que passar em determinados momentos da vida. E passamos. E vencemos. Se não ficamos pelo caminho é porque aprendemos a desviar, transformar e reconstituir a caminhada. Assim amadurecemos e nos permitimos envelhecer com um pouco mais de sabedoria.