Comoveu-se.
Foi o que ele me disse. Disse que estava na esquina da Andradas com a Vigário, em frente à vitrine de uma loja de roupas masculinas. Ele já tinha inclusive comprado roupas ali. Sentiu-se um pouco ridículo, mas era como aquelas coisas que ele chamava de epifanias, que caíam sobre ele de tempos em tempos. Pensou que já estava oficialmente velho. Aposentado fazia não muito tempo. Antes passava pela frente daquela loja ao sair do trabalho – sempre trabalhou no centro da cidade – e agora ali estava ele, em afazeres. Ir ao centro se tornara menos comum. Ia ao centro para “resolver paradinhas”. Nesse caso, banco e consulta médica. Resolver paradinhas, aliás, era uma gíria dos colegas da firma.
Andradas com Vigário. Mas talvez Rua da Praia com a Rua do Bandeira. Ele costuma dizer que gosta de ler sobre a história da cidade. E também era muito afeito à geografia do lugar. Como outros diziam de seus torrões natais, era a aldeia dele. A pequena metrópole. Um pouquinho cosmopolita, um tanto provinciana.
Dali ele teve que subir a Vigário até a Duque, a acrópole da cidade, a antiga Rua da Igreja. Em um de nossos papos ele falou que estudou no Ernesto Dornelles, e pôde palmilhar a Duque de Caxias de leste a oeste, e vice-versa, muitas vezes. E que a rua lhe parecia uma coxilha com suas subidas e descidas. A Duque onde se pode chegar, ou de onde se pode partir, por tantas transversais.
E também por escadas. A escada que ele mais percorreu foi a da 24 de Maio, antigo Beco da Fonte, que desce para a André da Rocha, antigo Beco do Oitavo. E a que ele menos percorreu foi a escada que liga a João Manoel, antiga Rua Clara, à Fernando Machado, a bem famosa ex-Rua do Arvoredo.
Comoveu-se. Disse que passou a concordar com a expressão que diz que “velho chora por qualquer coisa”. Disse isso interrompendo o movimento que fazia, de levar o copo de chope à boca. Me pareceu que seus olhos marejaram.
Estávamos ali, eu, ele e mais alguns reunidos em um boteco na mais famosa escadaria da Duque de Caxias. Também aquela do mais antigo viaduto da cidade – inclusive aquele que a cada dez anos precisa de uma nova reforma –, a calçada e escadaria do Viaduto Otávio Rocha. O boteco que nos aprazia e ao qual retornávamos se chama, coincidentemente ou não, Armazém Porto Alegre.