Dizem que é necessário um certo tempo para nos ambientarmos em um novo quarto, uma nova casa, um novo lugar. Fora os equipamentos, instalados nesses espaços, aos quais, gradualmente, sinalizamos em um mapa mental para reconhecimento do lugar, existe um elemento importante a ser considerado e apreendido – o som que domina a atmosfera interna e externa do território a ser desbravado. Quando estamos de passagem essa questão até pode ser negligenciada. Entretanto, em uma permanência mais duradoura, é quase garantia de sobrevivência a apropriação dessas informações.
Os sons podem tornar os dias e noites agradáveis, tranquilos, ou não. Existem alguns que perturbam, evocando súbito medo, posição de alerta, insegurança. Imagine-se o som de água correndo nos canos da parede durante a madrugada, fazendo o sujeito acordar quase nadando pois, inconscientemente, pode ser levado a pensar que está em um rio a se afogar. Estalos em paredes e assoalhos, insinuando que, a qualquer momento, podem surgir rachaduras estriadas, tal qual raízes de árvores, colocando em risco a estrutura que tem a função de abrigar. Zumbidos que eclodem, fazendo com que todas as aberturas sejam lacradas para impedir a possível entrada de insetos de natureza desconhecida. Filme de terror? Não, sensações despertadas por sons singulares em lugar inédito.
Mas há o canto de pássaros pela manhã, anúncio de que a natureza ali ainda está sendo preservada. O gotejar dos pingos da chuva que caem do telhado pedindo para manter os olhos cerrados enquanto o corpo permanece em estado letárgico, em paz. O tilintar de correias de bicicletas avisando que há mais do que combustível fóssil rodando pelas ruas do entorno. Sons que, na contramão daqueles que fazem estarmos alertas para eventuais perigos, trazem o rumor de um suspiro amalgamado com o despertar da resiliente esperança.
E eles, os ruídos internos à morada que fazem o início do dia acontecer. O ranger das portas de armário, anunciando a retirada da louça e dos talheres para enfeitar a mesa do café e de que elas, as dobradiças, precisam de óleo para emitirem notas musicais ao serem abertas. O apito da chaleira avisando que logo, logo o desjejum estará sendo servido. O barulho da fritura apresentando a imagem da proteína que será degustada. O arrastar de uma cadeira, indicando para quem está no quarto, que o atraso para o encontro matutino é quase iminente. O toc-toc de chinelos apressados a se deslocarem para lá e para cá em busca do vestuário adequado ao tempo instalado lá fora.
Enquanto sons vibram de forma diversa em meu novo endereço, a alma ecoa a junção de dois monossílabos, presentes em escalas musicais daquele instrumento que, um dia, fez parte do corpo da minha casa, onde ela estivesse. Com o tempo, o fá se lascou, o lá emperrou, a música calou, o equipamento tombou. Mas na combinação das duas teclas que o transformaram em cinzas, nasceu o lema que toca a minha escrita, o que me faz recusar, desde então, a não emitir barulho, a deixar de ecoar poesia, a calar sonoras histórias, todas dedilhadas pelo silêncio delas gritando ao teclado do meu notebook: fala.