Ora et labora!
Tom Saldanha
Na entrada do templo havia uma mesa e nela uma taça de vinho ao lado de uma bíblia. O pequeno cenário era complementado por uma urna de acrílico transparente e a plaquinha onde se lia: “Deixe seu nome e oraremos por você”.
Se não estivesse com pressa, aceitaria a sugestão, pois estava realmente precisando de um milagre. Nada ia muito bem: o emprego era instável, a namorada desconhecia e fazia com que ele esquecesse o significado de estabilidade. A saúde acompanhava o resto.
Talvez orações não fossem suficientes para recolocar nos eixos tantos descaminhos.
Mas ele não estava acostumado a desistir. Já tinha passado por situações até mais complicadas e nunca havia perdido o ânimo. Aliás, vá ser animado assim no quinto dos infernos. Qualquer obstáculo acabava se transformando num desafio e este numa nova oportunidade para provar a si mesmo do que era capaz.
Tratou, então, de reformular o pensamento, chegando à conclusão de que não era homem de pedir que orassem por ele. Se acaso precisasse de orações, tinha capacidade de formulá-las e encaminhá-las sozinho a quem de direito. Dispensava intermediários.
Foi aí que veio a ideia: deu meia-volta, entrou no templo e foi direto procurar o pastor.
Apresentou-se como capaz de auxiliar em qualquer tarefa relacionada às atividades desenvolvidas no sacrossanto palco. Afinal de contas, tinha boa aparência, falava um bom português, vestia-se de forma adequada e tinha cara-de-pau e poder de convencimento invejáveis – pelo menos era o que seu interlocutor parecia ter notado nos primeiros trinta segundos de conversa.
Sem dar espaço para negativas, aproveitou que estava na hora do culto e ajudou a organizar o evento. Testou microfones e ajustou o som; mudou as luzes para deixar o local mais transado e viu que os envolvidos estavam gostando das sugestões práticas.
Antes do culto iniciar já estava tudo organizado: ele havia ajeitado a gravata do pastor, recolhido a urna com os nomes dos necessitados e reposto a água junto ao microfone.
Ao final, quando foi agradecer pela ajuda, o pastor se deu conta de que ele já havia saído sem se despedir. E o sacerdote nem sabia direito quem era.
Mas, por via das dúvidas e para que por ele pudessem orar, o sujeito havia deixado seu nome na urna, antes de sumir com toda a coleta do dízimo.