Pesar
Ângela Puccinelli
Ele me carregava, não só nos ombros, mas na vida. Meu exemplo, meu herói.
Era como se fosse um gigante bondoso, que fazia caretas, era engraçado, carinhoso.
Quando mamãe não estava por perto, me deixava comer porcarias. Quando ela aparecia,
ele fazia cara de menino arrependido, dizia que era só daquela vez. Eu ria muito.
Às vezes eu os ouvia brigando. Sempre parecia que era por minha causa.
Ela falava que faltava dinheiro, que ele não gostava de trabalhar, que ele não tinha
ambição. Ele dizia que era falta de sorte, que se esforçava, mas nada dava certo.
Ela argumentava que eu não teria um bom futuro. Ele dizia que tudo se ajeitaria.
Um dia, ao acordar, no ano em que fiz sete anos, papai não estava em casa.
Mamãe comentou em voz baixa que ele tinha viajado e ia demorar. Fiquei triste.
Não me deu nem um abraço, como sempre fazia, até quando ia no armazém.
Passaram-se muitos anos. Cresci com muito amor de minha mãe, não posso reclamar.
Superamos juntos algumas dificuldades.
Estudei, trabalhei, casei. Tive um lindo filhinho, que adoro.
Um dia, em viagem de trabalho, vejo saindo de um cinema, ele, meu pai, de mãos dadas
com uma mulher. Fiquei inerte, parecia que meu cérebro havia congelado.
Tive a impressão de que tudo à minha volta estava rodopiando.
Ao voltar para meu lar e retomar a rotina de minha família, tudo o que mais queria era
abraçar meu guri, beijar, colocar ele nos ombros, brincar.
E prometer para mim mesmo que nunca iria ficar longe dele. Nunca mesmo.