Navegar
Silvia Duncan
Ao amanhecer, o banco frente à praia, me convida a sentar.
Pego a companheira de sempre – a bengala de ébano – e o chapéu de palha que ciumento quer ir. A passos miúdos, atravesso o chão de terra batida, fecho a porta da casa e digo, já volto.
Acomodo o corpo ossudo na pedra fria e olho o rio num estreito abraço com o céu. Brinco de adivinhar as figuras que as nuvens desenham, tal criança.
O barco de pesca, largado há muito na areia, me lembra o gosto da saudade.
Gosto de fel, subindo pela garganta e faz a gente chorar.
Na memória, falha, ouço a gritaria dos filhos brincando na areia, mãos pequenas dentro das minhas em direção a agua e a mulher gritando: Cuidado! não vão muito fundo.
Enxugo as lágrimas, coisa de velho bobo. Os raios de sol me abraçam, neste dia de luz, e a brisa desliza na canção.
As pálpebras vão ficando pesadas, pesadas.
Navego, então, em direção a águas profundas.