Juntos, mas separados
Maristela Rabaiolli
Aurora chegou pra mim dizendo que se separaria do marido. Comentou que há muito as coisas não andavam bem. Os filhos já tinham saído de casa e do país – não conseguiram viver em um lugar onde o presidente havia sido considerado, pela revista Time, um dos piores influenciadores do século, – e ela e Teodoro já não tinham sentimentos em comum. Quando se sentavam no sofá para assistir à televisão, era cada um num canto. O divórcio era iminente.
Falou-me sobre o dia em que se conheceram. Era primavera. Dia luminoso, quente. O encontro foi no parque. Sentaram-se num banco, conversaram. Ele pegou a mão dela e a beijou nos lábios. Foi tesão à primeira vista. Palavras carinhosas, beijo bom, riso fácil. Dalí foram a um bar, beberam uma cerveja, duas, três. O clima esquentou, e a cama dela foi qual um oásis. Amaram-se muito naquele dia. E nunca mais se separaram. Ela me disse que aquela tinha sido uma experiência singular em sua vida.
Um dia, porém, veio a tão temida rotina. O que antes era visto como uma característica especial dele (o modo de respirar, os gestos, as brincadeiras, os beijos) se tornou enfadonho e sem graça. Aurora já não suportava mais a relação. Ela se perguntava por que ainda mantinha aquele relacionamento há muito fracassado, mas não sabia responder. Tinham sido felizes, é verdade. Mas agora suas mãos mal se tocavam, e os corpos há muito não se visitavam. A frase “o amor é eterno enquanto dura” não lhe saía da cabeça.
Disse-me que precisava viver experiências novas. Queria conhecer pessoas e lugares. Tinha necessidade de um pouco de liberdade. O marido era bom, mas viviam quase como irmãos. O curioso é que relacionamentos assim são muito mais comuns do a gente imagina, não é mesmo? Mas quem os via, não imaginava que o casamento ia mal. Conseguiam disfarçar tão bem que família e amigos quase nem percebiam. Vestiam as máscaras sobre as quais nos fala Nietzsche. Segundo o filósofo, estamos tão acostumados a fingir diante dos outros que não notamos que fingimos até quando estamos sozinhos. E quando tentamos nos enganar, o nível de sucesso pode ser absurdamente alto.
Aurora fez a experiência das máscaras proposta pelo filósofo: um dia, sentou-se numa poltrona confortável, apagou a luz, fechou janelas e cortinas e, em completo silêncio, começou a se questionar quem era realmente, do que tinha medo, o que queria fazer da sua vida. As respostas, ela me disse, foram surpreendentes. E a que mais lhe impactou foi a de que sua vida carecia de um novo alvorecer. Assim Aurora se (re) descobriu.
Façamos também a experiência das máscaras. Ela provavelmente nos surpreenderá.