Terry Widener por Bernadete Saidelles

Fim da linha da paixão

Bernadete Saidelles

Acordei com o canto dos pássaros no horário de sempre, olhei para a orquídea e percebi que agora são duas flores abertas, mas há ainda cinco botões no aguardo de irem me encantando aos poucos, e me dou conta que é primavera na minha vida.

Lembrei da imagem de um casal sentado num grande sofá, distantes um do outro e apenas as suas mãos ainda se tocam. Quantas vezes estive nessa situação? O homem da imagem está com o braço na guarda do sofá e percebe-se que a vontade de ir é grande, talvez apenas a aliança no dedo denuncie que ainda se trata de um casamento, porque há tempos seu olhar e coração já não moram mais naquela casa. A mulher, com a mão direita tocando naquele homem que sempre fora o grande amor de sua vida. O braço esquerdo dela aponta para ele, assim como todo seu corpo. Eles sabem que a história de amor terminou há tempos, os olhares já não se cruzam e os corpos então…

Ela relembra as noites quentes do início, velas acesas, incensos, lingeries novos, às vezes enfermeira, noutras, policial, foram tantos personagens, que perdera a conta. Ainda via pelos espelhos do motel que frequentavam com regularidade no início, os corpos suados refletidos, num embalo iluminado por velas, rumo ao infinito. Ela então se dá conta que às vezes o infinito acaba logo ali, e o motorista do aeroespacial da distração bate no ombro da paixão e avisa: fim da linha. Precisava descer daquele veículo que a levara a conhecer tantos universos carregados de estrelas e sóis nos céus do seu prazer. As mãos se desgrudaram e ele saiu, talvez pensando que ela iria atrás implorando para que ficasse, mas algum fiapo de amor-próprio a manteve sentada. Escureceu. Ouve uma queda de luz. No apagão, entrou nos escuros de si. Vieram clarões de todas as vezes em que foi humilhada e engoliu em seco. Viu quando sofrera violência psicológica (não só), mas se conformava, achando que um homem tão fantástico como seu grande amor, jamais existiria. As cenas eram tantas… aqueles momentos de loucura há muito ficaram apenas como rastros que já deviam ter sido apagados pelos ventos da autoestima. Adormeceu.

De manhã, acordou com uma disposição incomum. Ligou para a portaria e doou o grande sofá, que não combinava com nada naquele apartamento, pois tudo ali era negociado. Se ela escolhia o quadro, ele, o sofá. Aquele apartamento não representava quem ela era de fato. Doou tudo que não fora de sua escolha. Que prazer ver a sala vazia, apenas as paredes que seriam pintadas com a sua cor preferida. O mais interessante é que só agora vê com clareza o que o terapeuta falava há anos. Estava livre. Livre daquela criatura que cortava uma das suas asas para que não pudesse voar. Enfim acordou para o fato de que todo o encanto que via nele, era ela que havia colocado.


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