Ruptura
Altino Mayrink
Desde sempre ele me acompanhou. Nem lembro quando tomei conhecimento disso. Muito tempo foi só ele, e é difícil precisar o momento em que passei a estar com ele. Fui, desde sempre um complicador para sua vida tão regulada e cotidiana. De certa forma também sou a pessoa que colocou algum tempero na insossa vidinha de funcionário público do interior.
Por muitos anos ele nem se deu conta da minha presença, mesmo me conhecendo e reconhecendo. Eu era aquela companhia agradável qe se tem em noites de frio ou de silêncios. Cômodo, contanto que não precisasse me apresentar a ninguém mais que ele mesmo. A convivência começou bem, mas ia sendo deteriorada quanto mais eu me mostrava e ele já não podia conter a minha evolução e amadurecimento.
A história da vida junto foi escrita a ferro e fogo, com tintas de tons escarlates e muita, muita maquiagem para me esconder. Minha imaginação e confiança foram engrandecendo e se tornaram presença inquietante na rotina que ele ainda tentava resguardar. Nem nas horas mais corriqueiras de trabalho ele podia conter as lembranças e parcerias da nossa união. Bem pouco estável por sinal.
A ruptura se fazia necessária e, mais do que nunca, eu me vi gritando por liberdade e desfraldando bandeiras que ele nunca poderia me ajudar a agitar. E os rumos deveriam mudar para que eu tivesse vida plena. Ele continuava a se apegar aos bens materiais que eu já dilapidava em prol do desmbarque.
A poucos dias recebi meus novos documentos. A cirurgia feita a meses já me dá mais confiança de evoluir sozinha. Não preciso mais dele para nada. Ninguém vai me impedir de avançar e ser a mulher que sempre quis ser!
Acabou. Jã não existe mais o Luiz Carlos de Oliveira Andrada. Assume agora a Raquel, em seu corpo maravilhosamente esculpido e montada no seu salto quinze!