O doce sabor do saber
Maristela Rabaiolli
Tem gente que faz vida
Tem gente que faz sonho
Tem gente que faz gente que faz vida, que faz sonho (Sergio Valente/Arnaldo Antunes)
Por onde andam os alunos a quem ensinei o caminho das letras? Os que me viam com bons olhos e os que não viam? Devem ter se perdido por aí, ou nem tanto. Uns escrevem, outros cantam, e há os que ainda sonham. Nas aulas, às vezes dormiam (e sonhavam) que era uma beleza. Vai ver a aula era ruim. Ou o sonho mais interessante. As mentes acolhem as ilusões; a sociedade, nem tanto. O conhecimento liberta, ensinava Platão. E como é doce seu sabor!
Outro dia fui atrás de um. Lembrava seu nome, supunha o endereço. Vinte anos atrás, era uma pessoinha doce que só. Tenho que encontrá-lo, pensei. Tinha afeição de sobra e leitura de menos. Precisava de óculos, o coitadinho. Promovemos vaquinha e fez-se a luz. Imediatamente começou a ler e a escrever. A periferia tem disso: solidariedade. Por que será que o pobre é mais solidário que o rico? Vai ver é porque cada um conhece melhor a miséria do outro. A empatia é exercida ali, com dó e piedade. Encontrei esse e outros. A pandemia nos irmanou. A luta é insana, refleti. Parece invencível. Que o diga o professor Fariseu e tantos outros. Quase foi parar na rua. Também ele precisou de vaquinha. Ainda bem que há bons alunos. E bons professores.
Muitos venceram, outros ainda remam, uns nem saíram do lugar. Escola, professores e sociedade cumprem seu papel? Fazemos gente, vida e sonhos, ou só prédios mesmo? Tiramos da miséria os necessitados? Possibilitamos o voo a quem não tem asas? O conhecimento é doce, mas um percurso amargo pode ser longo demais. É preciso força para vencê-lo e coragem para atingir o ápice. Há obstáculos no meio do caminho: a fome é um deles. Às vezes, é preciso nadar contra a maré. Isso cansa. E as pessoas desistem porque têm mais o que fazer. Há coisas infinitamente mais fáceis. Não pensar é uma delas. O alienado é mais feliz. Que triste constatação.
Cem anos atrás, a escola não era para mulheres, negros e pobres, nos ensinou o professor, colega e antropólogo Giovani José da Silva. Ela, de fato, não era para todos, muito menos inclusiva. E ainda há quem seja contra as cotas. O conhecimento é libertador. A liberdade não é um direito de todos? O mito da caverna de Platão continua atual. Precisamos fazer das sombras a luz que tudo esclarece. Que faz brilhar os olhos e as mentes. Que traz o conhecimento e nos permite fazer gente, vida e sonho. Na mão do artista o lápis vira sorvete. Na mão do mestre que carrega o giz, a sombra se faz luz. Não é sobre ter dom ou vocação. É sobre dar asas a quem ainda não aprendeu a voar.