O chamado
Regina Lydia Rodrigues Jaeger
Existem dias em que não conseguimos escrever. Buscamos uma inspiração e não a encontramos. Quanto mais se pensa, menos ideias vêm. Ficamos ansiosos. Dá um tilt, um branco, uma pane, trava, zerou. Não importa o nome que se dá, só desejamos que a mente se ligue o mais breve possível. Mas, como escrever sobre algo que não queremos, nem gostamos? É como tirar camelo da cartola.
Lembrei-me dos cronistas que escreviam, e os que ainda escrevem, diariamente em jornais, com horário para entregar o texto, querendo ou não. Rubem Braga disse certa vez a Sabino – Sempre escrevi para ser publicado no dia seguinte – Como o marido, que tem que dormir com a esposa: pode estar achando gostoso, mas é uma obrigação. Ele tinha essas sacadas, simples, mas geniais. Esbanjava talento, sempre encontrando sobre o que escrever ou falar. Como aquela vez em que lhe pediram uma definição de crônica – Quando não é aguda, é crônica.
Quem escreve, seja por ofício ou por prazer, tem que aprender a lidar com este esvanecer momentâneo e desenvolver antídotos. Muitos, ou praticamente todos, já escreveram sobre isso. E conselhos não faltam: dá um tempo, toma um banho, relaxa, dá uma volta que as ideias voltam… Pior é quando chega a auto sentença – Não tenho mesmo é talento, devo parar de insistir.
Foi quando ela apareceu trazendo um dos meus lápis na boca, como faz com a bolinha, olhou-me, com aqueles olhos pedintes, cor de caramelo, abanando o rabo, me convidando para brincar. E largou o lápis na minha frente, esperando que eu pegasse. Um pouco mastigado, mas inteiro. Entendi aquilo como um chamado – Toma esse lápis, e escreve. Tu consegues!
Sentei-me em frente ao computador, com o lápis na mão como um amuleto da sorte. Ela deitou-se ao meu lado, entendendo que eu não iria brincar agora. E comecei a digitar, furtivamente:
– Existem dias em que não conseguimos escrever. Buscamos uma inspiração e não a encontramos…