VarandEla
Maria Amélia Mano
Era vento na varanda que invernava. Menina com lápis de cor e papel, recém aprendia a ler. Recém aprendia a perder. Cismava e cismava só, sem Ela. Qual o jeito de não sentir dor? Inventar nomes pra personagens de histórias que criar e desenhar.
Diáfana era moça clara vestida de tule branco, dançava no ar, graciosa. Anêmona só poderia ser grande, comprida e se vestir de azul e ser nadadora. Seiva era densa, profunda de olhos que diziam tudo. Angústia era mulher alta de espartilho apertado, muito apertadinho e tinha soluços. Breu era menino pequeno com olhos imensos estalados. Fúcsia era menina espalhafatosa, alegre.
Era varanda em inverno que ventava. Menina encolhida e cismadeira seguia inventando e reinventando e desinventando pra diminuir saudade sem tamanho. Sem saída, sem volta, sem sorte, sem consolo, sem paradeiro. Sem Ela.
Pólen era menino ruivo e raivoso, irmão de Relva, guria refrescante e esperançosa, livre. Macadâmia era mulher elegante e altiva, estilosa e cheirosa. Havia uma senhora, Cálida, tão querida quanto as canções que assobiava. Também duas velhinhas: Stevia, de fala doce que contava histórias, e Ambrosia, crespinha e com verruga no nariz, dessas que se ganha quando se aponta estrelas.
Era inverno com vento que varandava. Menina sentia que dor não tinha paragem. No fundo do peito. Sem Ela. E mesmo que quisesse cismar, criar e colorir cada pessoa, cada palavra bonita e nova que aprendia, uma jamais conseguiria: Varanda.
Porque Varanda era mais que uma velhinha que virou estrela – não a mesma das verrugas. Varanda era difícil de desenhar. Era ninhada de pintos, pirulito escondido no bolso do avental, novena pra Santa Rita, óculos no meio do livro de palavras cruzadas, quintal, abajur de luz amarela, novelos de lã, linha e agulha, bordado, histórias, colcha de retalho, remendo, colo, tacho de doce, colher de pau, cheiro de canjica, cheiro de lavanda, cheiro, cheiro, cheiro de vó.
Menina cresceu cismando e nunca desenhou Varanda. Varanda que era infância, era estrela no céu, era Ela. Qual o jeito de não sentir dor? Deixar que o Tempo, esse senhor de olhos doces e nariz pontudo, faça cafuné nos cabelos desgrenhados de vento de inverno.