John Jude Palencar por Graciella Tomé

Do trágico e da cegueira

Graciella Tomé

Os lugares mais horripilantes e longínquos a que fui foram:

Parque Nacional Tierra del Fuego, com o Tren del Fin del Mundo, Ushuaia, Argentina. Antigo presídio para onde eram mandados, de homicidas a anarquistas, condenados ao trabalho escravo e abandonados no frio da Antártida, como penalidade.

Robben Island Museum, Cidade do Cabo, África do Sul. Ilha conhecida como a prisão dos condenados por lutarem contra o apartheid, não só, mas principalmente.

O guia era um ex-prisioneiro que contou em detalhes a realidade da tortura e, ele próprio, cego de um olho como prova. “Todos nós tínhamos orgulho de estar lá e lutar pelo fim do regime de segregação”, conta ele.

Logo após visita guiada à cela 466, do prisioneiro Mandela, considerado muito perigoso por ser o cabeça do movimento antiapartheid, me senti terrivelmente enjoada e oprimida. Precisei sair.

Nesta ilha existem pedreiras de um branco reluzente. Machucava o olhar. Os negros eram obrigados a trabalhar quebrando pedras brancas, grande ironia. Com o tempo, e sem qualquer proteção, todos acabaram com problemas de visão ou até cegos.

Horrorizada penso no quanto a democracia demorou a chegar ao mundo (dos humanos) e, ainda hoje, como os homens custam a aceitar que seus direitos vão, somente, até a borda do quintal dos direitos de seu vizinho.

Trazendo para ilustração de John Jude Palencar, ao vê-la a dois centímetros de alcançar uma ínfima tragada, que nem mesmo vai lhe aliviar a dor da tortura, fico desconcertada. Quero me negar, ao pedido feito, de descrevê-la. Choram esses olhos que a vêm castigada, condenada a humilhação.

Seus sentidos sofrem pelo odor do tabaco, sofrem por não conseguir uma baforada. O que descrevo não é só um charuto, é sim, tudo o que há para ela ver. Não pode se mover, nem tocar, está violentamente amarrada, acorrentada com coleira de ferro, sua testa presa em perverso arco esmagador.

É o fim do mundo, penso.

Sabemos que é impossível descrever o não vivido, e, nenhuma palavra, neste caso, chega perto do sentimento dela de desesperança. Ou, minha alma e minha pele arrepiada é que seguem o faro do desespero.

Minha vontade é vomitar. Isso, ela também não pode, se enforcaria na força que a detém.

Quando já não havia outra tinta no mundo o poeta usou do seu próprio sangue”.

 

 


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