Hamster
Alexandre Wahl Hennigen
Preciso aprender Matemática, Biologia, Química, Física, História, Literatura. Não basta uma, tenho de aprender todas por ao menos doze anos – treze ou quatorze se não me adequar. Doze anos em que eu poderia achar uma paixão. Eu poderia tocar violão, piano, gaita, saxofone, usar o dinheiro da mensalidade da escola para morar em outro país, conhecer outra cultura, aprender a pintar, a escrever, a empreender, participar de uma expedição à Costa do Marfim e defender as tartarugas.
Não posso: preciso trabalhar.
Preciso de um carro para ir trabalhar para ganhar dinheiro que vai pagar as roupas que também uso para ir ao trabalho. Ao longo de onze meses vou exercer uma atividade diária que me permitirá, com sorte, descansar um. Nem tudo é ruim, ainda há os feriados que, com alguma esperança, vão cair na segunda ou na sexta e poderei viajar. Enquanto viajo, as contas do aluguel, da luz, do condomínio continuarão chegando, mesmo que eu não use nada disso, pois preciso de um lugar para deixar todas as coisas que acumulei, entre elas as roupas que uso para trabalhar.
Eu não quero mais trabalhar.
Por isso eu tomo antidepressivos e ansiolíticos e faço terapia. No fim de cada dia eu bebo mais álcool do que um Volkswagen Gol da década de oitenta só para cair na cama e dormir sem pensar a noite toda em como foi o dia inteiro e Deus queira que chegue logo o final de semana quando eu vou poder pelo menos encher a cara pra me divertir um pouco e relaxar, e se relaxar demais, tem cocaína, se ficar muito louco, tem maconha, se ficar muito idiota, tem café, vou alternando tudo até domingo de noite, quando finalmente me deito e fico de olhos abertos até o despertador tocar na segunda-feira – assim mesmo, com hífen, insuportavelmente completa – anunciando mais uma semana igual à anterior e à que veio antes dela.
Sim, eu vou trabalhar.
Não sei até quando, até quando der. A redundância do sistema educacional se perpetua na vida profissional. É um avança, trava, retrocede. É uma rede intrincada de causas e consequências eternizadas. É a inflação, é um monte de ações e ciclos fúteis com objetivos que se desvanecem e se transformam em meios. São desculpas, subterfúgios e adiamentos. Mês que vem eu visito meus pais. O próximo Natal vou passar com meus avós. O noivado de quatro anos vai durar mais um ou dois. A Costa do Marfim pode esperar. A Indonésia também. Não sei se consigo subir Kilimanjaro. Não sei se consigo ir para praia. Será que consigo ir até a pracinha?
Quanto tempo falta para me aposentar?