Gregory Harlin por Rubem Penz

Sete Vidas*

Rubem Penz

Querido Octavio,

Se já anda complicado de contarmos com os Correios, outrora a empresa pública de maior prestígio, imagina o quanto me aflige escrever para você na esperança de que forças maiores, na sincronia das almas, ajudem a chegar ao bom destino minhas palavras… Ainda assim, escrevo. E o faço por necessidade.

Começo tergiversando: sabe o mito das sete vidas do gato? Ele pode ser verdade para todo e qualquer ser vivo, até multiplicando-se. Temos sete, setenta, setecentas vidas ou mais. Há, creio, pessoas com tantas vidas a ponto de jamais morrer, sumir jamais. São pessoas que deixam legado vivo, imprimem marcas nos outros, permanecem. Gatos para os quais não importa o tamanho do tombo, restarão de pé.

Soube hoje pelo jornal, pois, sim, leio obituários, que seu coração não suportou o impacto de um infarto, Octavio. Ah, caríssimo Octavio, outra vez o coração em nosso caminho. Ele que principiou nossa amizade em 1964, eu recém nascido, você com seis aninhos e ele, Antônio Maria, com 43. Em 15 de outubro daquele ano, o “cardisplicente” Maria faleceu da mesma causa. Passados 50 anos, procuramos por você para mostrar um filho em gestação – Maria volta ao bar – com o convite para compor a orelha e nos ajudar no plano ousadíssimo de estar no Jô Soares. De coração, você nos ajudou. Como ajudou!

Digo a todos, e com muita frequência, ser 2014 o ano que nunca terminou, tantas foram suas marcas, seus tantos marcos. E você, meu caro, você teve implicação direta nos acontecimentos. Guiou nossos passos, soube ser generoso e animador. Nos deixou palavras tornadas imortais em um livro inaugural, divisor de águas, indicador de caminhos. Por isso tem em nós uma vida a mais que seguirá na memória, nos pensamentos, na história. A Oficina Santa Sede tem contigo uma dívida de gratidão impactada por sua partida – jamais seremos capazes de resgatar a promissória do afeto recebido; minha dívida, nossa dívida, também será eterna.

Nenhuma leitura de Maria virá sem sua companhia, Octavio. E toda vez que eu olhar para um surfista mais, digamos, maduro, lembrarei de você. Os movimentos na água, rasgando as ondas, serão o girar do gato em plena queda: o pousar de pé para, mais uma vez, sobreviver. O coração que nos leva, trouxe você; aquele mesmo que trouxe, levou você de nós. Seguimos agora a sina dos gatos, vivos em vidas a mais, vindas em ondas.

Octavio, você deixa saudade neste seu amigo. E deixa muitos amigos em nossa mesa de bar, em nossa boemia crônica.

*Crônica em homenagem ao jornalista e cronista Octavio Tostes


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