Felinas escolhas
Bernadete Saidelles
Vejo pintura de Gregory Harlin: um gato num ambiente de penumbra, deitado, num tranquilo descanso onde a luz evidencia as “barbas” à direita, patas brancas, com olhar de quem vê a alma. Lembro do gato de Alice no país das maravilhas, que disse algo como todos os caminhos levam ao mesmo lugar, e, para quem não sabe onde está indo qualquer lugar serve. Pesquisei para ver se era isso mesmo, mas encontrei estas frases do tal felino: “entenda os seus medos, mas jamais deixe que eles sufoquem os seus sonhos” e “você não deve viver a vida como outras pessoas esperam que você viva; tem que ser sua escolha, pois quando estiver lutando, você estará sozinho”.
Pensei nos meus medos, sempre tive uma fonte deles brotando incessantemente. Mas, quanto a receios, a fonte nunca é cristalina. Sempre que preciso tomar decisão difícil, vejo uma ponte em que a metade é clara, mas o restante está encoberta por um nevoeiro. Então sinto que só posso saber o que está do outro lado da neblina, se houver ímpeto de atravessar e ver o que tem lá. A coragem de enfrentar o improvável, o escuro da escolha, é dada pela certeza de que onde estou não é o lugar que me traz felicidade. A insatisfação do agora é combustível para a coragem, é fósforo ou detonador do foguete de dúvidas. É importante que a curiosidade seja maior que o medo. Aos poucos a gente vai agregando à vida a experiência, que só vem com a maturidade. Por outro lado, somos fruta que amadurece porque já foi verde. Porém, há frutas que não amadurecem, passam direto de verde a podre. Talvez as pessoas também sejam assim. Aquelas que ousam fazer o que suas vontades as impelem (empurram), podem descobrir coisas incríveis ou podem dar com os burros n´água (como diriam os ainda mais antigos).
Mas o que é a vida senão um experimentar constante de novas emoções, feito quem prova sorvetes para não errar no sabor e se deliciar com a bola inteira? É importante experimentar coisas que a gente sente vontade de fazer para eleger depois o que continuará fazendo. Não podemos ficar amordaçados pelo medo, algemados na prudência, acorrentados no ninho das comodidades que não foram construídas por nós.
Fazemos parte da natureza. As aves recebem o alimento na boca quando filhotes, mas chega a hora do voo solo. O botão um dia se transforma em flor para encantar, embora haja botões que murcham antes de abrir e morrem, com a sensação que não cumpriram seu destino. O fruto que amadurece no galho, por mais lindo e suculento, se não for desfrutado por alguém, irá alimentar algum pássaro, abichar ou cair ao chão. Tudo tem um ciclo. Não somos nem flor nem fruto, mas podemos crescer, florir e deixar sementes, compartilhando aprendizados de luta, paz, harmonia e amor.
E dizer que um olhar de gato fez desabrochar a minha alma.