Dora Almeida em foto de Andrea Steiner

Histórias para não esquecer

Dora Almeida

 Velhos adoram contar histórias. Não fujo à regra embora nem sempre encontre alguém disposto a ouvi-las. Histórias antigas, quase esquecidas. De um tempo que vai longe e está tão perto. De lembranças vividas, algumas sonhadas. Muitas, imaginadas.  Memórias por vezes desencadeadas através de uma foto, um filme, uma canção. E aí se entrelaçam e vão tomando forma.

Eram tempos difíceis. O país enfrentava uma grave crise democrática e  ameaça de um golpe militar. Na cidadezinha do interior os rádios permaneciam ligados, as casas iluminadas. A ansiedade era grande.

Sob a luz amarelada do alpendre, atentos, todos ouvem as últimas notícias. Muito chiado no rádio, muita descarga como se dizia, entrecortam a voz do locutor.  O jovem, quase um menino, chegara há pouco do quartel onde “servia a Pátria”, carregando uma mochila com roupas novas, casacão grosso, fardamento completo. Coturnos novos e meias de lã.  A mãe, choramingando – para que tudo isso meudeusdocéu?

Abraçado à namorada, ele responde: o quartel está de prontidão, mãe. Vão nos mandar para o porto de Rio Grande. As tropas do 3º Exército ainda não decidiram de que lado ficam. Se do lado do governador, que exige que a lei seja cumprida, ou do lado das forças que não querem que o Vice-presidente  assuma no lugar do Presidente que renunciou. A mãe chora, todos se abraçam.

Dias difíceis, noites mal dormidas, ninguém sabia o que estava por vir. Na capital o povo tomou as ruas, houve até ameaça de bomba no Palácio do Governo. O governador levara a estação de rádio para o porão do Palácio e, com seu discurso inflamado, conclamava o povo a resistir e a fazer cumprir a lei.

Os namorados, de mãos dadas, ouviam as falas do governador. Entre uma e outra, o rádio tocava:

Avante, brasileiros, de pé, unidos pela liberdade…

Alguns dias mais tarde, com o apoio do General do 3º Exército, o Vice-presidente assume. Mas o golpe militar foi apenas adiado e desta história de resistência pouco se falou. Não apareceu mais nos jornais nem nas rádios durante muitos anos. Agora ela ressurge, fizeram até um filme!  E algumas pessoas perguntam, espantadas: mas isso aconteceu? O povo foi para as ruas mesmo?

E os namorados? Ah, os namorados!  Viveram seu namoro por mais quarenta anos. Ela ainda está aqui. Agora conta histórias. Vividas, sonhadas, imaginadas. De tempos outros que até mesmo o tempo esqueceu de lembrar.


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