Abalou o palhaço
Graciella Tomé
Bah… uma revoada de gente silenciosa aterrissou aqui. Peguei o trem errado. Não, é o meu. A cena tá profunda mesmo. Deve ser o dia escuro de chuva que deixa cada um exalando seu próprio contorno, fechado pra fora. É direito, olha eu. Estou também com a pouca cor da minha emoção de hoje. Eu e minhas confidências no trem. Se continuar, por muito tempo, minha rotina de palhaço vai dar em novela. Aqui as menores coisas crescem enormes, engraçado. Nada passa em vão a uma minuciosa lente. Todos vemos tudo e estamos tão sós. Ela ali tão linda, arrumada para sair com seu amor, gostei do cabelo dela, dos sapatos, casacão de corte inglês. O babaca do lado, vulgo: marido, só dá o braço, atenção que é bom, te devo. Persiste mulher, caso tu o ame, ou olha para o palhaço aqui. O cara do computador interage mais com o computador e com a fulana sentada ao lado do que o babaca (já dei até nome pro cara). “Eu quero uma verdade inventada” diz Clarice Lispector. Vou convidar ela pra essa viagem. Lá na cidade “outra vida”, claro. Por aqui habitam muitas verdades. Eu invento aqui e ali, palhaço tem essa concessão, já eles me deixam a certeza que não com seus reais semblantes. Até meu olho lacrimejando ressalta. Estou assim. A sanidade do palhaço combinando com os grafites do urbano, se dissipa. Só eu entendo meu disfarce e meu choro. É, mas sou melhor que o babaca!, aquele ali já tá fora do trem, cabeça fora, coração fora, tesão fora, vivendo o depois antes mesmo do agora. A senhorinha que trabalha dia e noite, sentada pertinho a mim, exalta resignada seu orgulho. E de passo me aquece. Nova novela das 20: ‘Tribos desgovernadas e seus distintos trajetos”. Sério, os bolcheviques …. esses estão na imaginação do menino sonhador, aquele lá atrás.