O que os olhos não veem, o coração sente
Ananyr Porto Fajardo
Inverno, noite escura, as cores ficaram para depois.
O silêncio pesava entre as frestas; nada se via, mas a vida estava lá.
A saudade enchia a casa de causos, odores e sabores de outrora.
Recordava os tempos em que a lareira iluminava os sonhos até a última fagulha, trazendo em seguida lampejos do dia a labutar, enquanto a neblina tentava prolongar a noite.
O fogão a lenha aquecia o corpo e mantinha a preguiça bem-comportada, enquanto o vapor da chaleira buscava o café coado, chiando.
Cortina de voil encardida, janela embaçada, já não sabia se era a névoa lá fora ou seus olhos.
Entre as gotas da bruma, o horizonte se aproximava da casa, trazendo a distância para perto dos pés cansados. O sol forçava passagem entre o nevoeiro e a plantação despertava.
Na geada, o campo se estendia, com raios de frio enfeitando o pasto resistente à inclemência.
Lidava na casa e cuidava dos bichos e, de vez em quando, sobrava um afago meio áspero para Pitu e Minu, um vira-lata manquinho e uma gata grisalha que se aconchegavam na cozinha.
À tardinha, um último mate doce. O pelego, o tricô, a conversa quieta e o olhar esperto antes de se achegarem para dormir. Hora de deitar-se ao som do rádio afônico.
O vento chegava uivando, a chicotear a cerração que chorava.
Inverno, noite escura, sem cores.
Até amanhã.