Resgate por Mar
Lídia S. Rocha de Macedo
Naquela manhã, o ruído dos pratos e panelas parecia mais intenso. Quando Ana entrou na cozinha, pôde perceber que Yara estava chorando. Ela voltou-se para Ana e iniciou um desabafo. Contou sobre um tiroteio perto de sua casa durante o final de semana. O melhor amigo de Tiago, seu filho, tinha sido baleado. Ela temia que o filho pudesse ter o mesmo fim. Passou a pensar mais nisso depois que ele mandou tatuar em suas costas os dizeres: “Deus, só Ele sabe a minha hora”.
Ana tentou argumentar que Tiago nunca lhe deu preocupações antes. Porém, não o fez com muita convicção, uma vez que os motivos para os assassinatos violentos naquele bairro, por vezes, eram completamente banais. As regras para ficar longe de encrencas eram tantas que era quase impossível lembrar todas. Tinham de obedecer ao toque de recolher, não entrar na vila de faróis acesos ou falar com estranhos na rua, pois poderiam ser policiais em busca de informações.
A visão da morte já não assombrava mais aos moradores. Era preciso se acostumar com a incerteza de não saber quem seria o próximo e quando isto iria ocorrer. Para piorar, agora havia as ameaças. Os traficantes eram os donos do lugar e a polícia não conseguia mais contê-los. Quem não concordasse com eles e não desse abrigo quando a polícia entrava, era morto ou a casa seria incendiada.
Tiago se revoltava com esta situação, achava que alguém precisava de reagir e parecia estar se preparando. Tornara-se um homem forte e os treinos na academia de boxe faziam parte de sua rotina. Foi uma professora da escola que sugeriu o boxe para a mãe do menino briguento, pensando em dar um destino positivo para toda aquela energia e disposição. Yara sempre ouviu as orientações das professoras, pois reconhecia o quanto era difícil criar um filho sozinha. Agora, porém, ela estava arrependida de ter incentivado o espírito guerreiro do filho.
Contrariando as expectativas, na manhã seguinte Yara chegou radiante acenando com uma carta na mão. Orgulhosa, ela exibiu a convocação de Tiago para o ingresso na Marinha. Alheia ao relato, Ana mergulhou nos próprios pensamentos. Há pouco tempo, era ela quem ajudava os filhos a se mudarem. Então, começou a antecipar o sofrimento que Yara teria com essa separação. A outra, no entanto, suspirava aliviada.
Em seu entendimento, agora, os dias de incerteza tinham data para acabar.