Ciranda
Jane Maria Ulbrich
Alcebíades, o gato preto de Thor, era franzino, de ossos salientes, andar desengonçado. Seu pelo falhado permitia ver grandes áreas do couro descamando, o que o deixava com uma aparência mais frágil ainda, para desgosto de Thor.
Thor, o gato de Alcebíades, impressionava a todos por seu tamanho. Redondo, bonito, pelo lustroso e farto, muitas vezes emaranhado, conferindo certo ar vagabundo. Alcebíades tranquilo, caseiro, caprichoso. Thor vaidoso, rei da arruaça, aprontava sempre que podia.
As gatas das redondezas estranhavam aquela parceria inusitada. Um, amante de telhados e noites de lua cheia e o outro, devoto, silencioso e comportado, que sequer as enxergava. Mesmo em fases de cio. Certo é que Alcebíades se consumia para agradar Thor. Mais certo ainda era que Thor não dava a mínima para estes miados, fazendo todo possível para viver leve e solto. Sem regras nem amarras. Permanecia semanas perdido em alguma cama de gato, em busca de muita aventura. Alcebíades aguardava, até que Thor desse as caras, retornando sempre com um ar satisfeito e cansado. Alcebíades nem miava, fingia não ter percebido a ausência.
Tudo andava na maior mesmice até que Boris, um gato persa, majestoso, começou a ronronar para o Alcebíades. O que ele vê neste gato pestilento que não vê em mim, ronronava Thor. E Boris, cada vez mais se aproximava com um ar manhoso, sem dar a mínima para o destemido Thor. Certo é que Thor não saiu mais de perto de Alcebíades. — Não posso perder as regalias, ronronava ele. A cada investida de Boris, se armava, eriçando o pelo, como a dizer — este bofe é meu. Cheguei primeiro. Lutarei até a morte!
Boris, cada vez mais audacioso e insistente, não dava trégua ao Alcebíades, que a esta altura estava muito orgulhoso da disputa acirrada entre os machos. E quando a confusão foi tomando rumo belicoso, com agressões diárias, eis que chega Clô, gata velha, zangada, que pega Alcebíades pelo pescoço, afastando-o furiosa da confusão.
Então miavam três felinos entristecidos: Alcebíades pelo Thor, Thor pelo Boris, que não lhe deu a mínima, Boris por Alcebíades.
Enquanto isto, Clô, satisfeita, vivia à caça para sustentar o seu jovem e dispendioso, apesar de fraquinho e desmilinguido, bem dotado gato.