Faltou dizer
Rubem Penz
Enquanto levava os filhos pequenos na garupa, faltou dizer que as forças dos meus ombros nada são quando comparadas com o ânimo de desejar a eles uma estatura maior do que a minha.
Quando, cansado, pedi que descessem, faltou dizer-me humano demais para seguir sonhando com os superpoderes capazes de lhes poupar das dores do mundo, das contrariedades, da frustração.
Quando, já sem paciência, neguei-lhes a garupa, faltou dizer dos limites impostos por adversidades; e que ninguém, por mais que se queira, será capaz de receber tudo a todo momento.
Quando, enfim, concordei em levá-los adiante na garupa outra vez, mesmo com dor, mesmo cansado, mesmo contra a vontade, mesmo assim, faltou alguém para me dizer que os sacrifícios são inerentes ao processo, e no longo prazo deixarão saudade.
Quando cresceram e deixaram de pedir garupa, faltou dizer que eu ainda era forte o bastante para suportá-los, mesmo que por menos tempo ou não tão longe. E que seus desinteresses pressionavam meu peito em saudade.
Quando jovens adultos, e sem precisarem mais da garupa do pai para ver o mundo do andar de cima, ao nem cogitarem pedir nada, faltou dizer que os anos passam muito rápido nessa vida, ainda que nem fossem ouvir.
Quando, por algum motivo bobo, os filhos lembram da minha garupa, e medem meu porte com o olhar, e duvidam de sua memória (ele parecia tão forte), faltou dizer: sempre fui deste precário tamanho.
E quando, ao cabo, investigar em mim a razão de tantos silêncios, de todo mistério, desta crônica com ares de melancolia, darei de ombros. A verdade é que ninguém nunca perguntou, mesmo.