Ele é um homem
Soraia Schmidt
Ser pessoa
Nascer subjetivamente
Ser alguém
Vestir uma máscara
Representar um papel
Fazer uma escolha
Nascer de si mesmo
Ser.
Seu Justino olhava a cena e assim refletia. O rapaz apostara tudo naquele papel. Ser um lutador. Ser campeão. O que realmente ele queria vencer? Não se sabia. Mas Seu Justino percebera. Era caso de tudo ou nada. De vida ou morte.
Trabalhava como faxineiro do clube há 50 anos. Em seu silêncio, acostumara a ver através da sutil mutação dos corpos e rostos. Pequenas rugas e contrações. Emoções que revelam e constroem pessoas. Aprendera, como escreveu Clarice Lispector, a distinguir aqueles que, realmente nascem, vivem e morrem, daqueles, que, como gente, não são pessoas ( sim, ele lia Clarice Lispector!).
E cada fibra muscular contraíra-se para esculpir o desatino naquele jovem e belo corpo. Ele apostara tudo nessa luta. Dilema vital. Ser ou não ser.
Ser o quê?
Seu corpo falava. Dor, sofrimento, intensidade. Sua máscara caía.
Mas isso era vida. Início, não fim. Mal sabia ele, que era um parto. Nasceria outro. Fortalecido; não derrotado. Caberia a ele próprio parir-se de si. Ato árduo e solitário. Nascer como pessoa.
Seu Justino reconhecia. Nasceria sim, um novo ser. Fora assim também com ele, muitas vezes.
O rapaz era belo e jovem. Teria outras oportunidades. De ser vários, de vestir-se com muitas máscaras, mas fundamentalmente, de ser. Pois, sim, ele é um homem. Um homem que é. Não uma dessas gentes que não são.
Foi seu pensamento antes de atirar-se ao ringue na ultima faxina do dia.