Djarina

Autora: Maria Amélia Mano

Mãe analfabeta, pai ausente, tabelião pouco sensível, solidão e o nome da pequena ficou assim: Djarina. Quando perguntavam na escola, quando franziam as sobrancelhas, quando liam do jeito que era para ser como se assim fosse, Djanira, a menina sofria. E assim conviveu com um nome que era um espanto, uma pergunta e uma denúncia de ausências. Casou virgem, de branco e, no altar, o padre disse nome errado, nome certo, nem mais se sabia o que era. Chamavam de tudo e nem apelido servia, cabia, colava.

Quando se separou, o sobrenome já mudado virou marca de tristeza, e o nome que já não tinha mesmo sentido de ser certo ou errado, era mais uma perdição ou maldição entre incompreensão e mágoa. Agora tinha certeza, não só o nome, mas toda ela tinha nascido assim, de letras trocadas, de sílabas sem sentido, de fonemas invertidos, de abandonos e erros. Era só um erre e um ene, mas era tudo. Era como genética, troca de cromossomo, mutação e síndrome. Síndrome de Errene ou de Enerre, sabe lá.

Erre de ruína, receio, rancor, repulsa. Ene de não, nunca, nada, ninguém, nojo, náusea, nódoa e nudez. Nudez? E Djarina se perguntava ao se olhar no espelho, nua. E se olhava novamente, gostando do que via. Sim, sempre teve corpo invejável. Se o alfabeto da vida era invertido, as vogais e consoantes do corpo sempre lhe trouxeram bons hiatos e ditongos. Era o que tinha. E sorriu e saiu para a rua, para ganhar o que precisava para sobreviver. E conheceu muitos homens de nomes certos. E, às vezes, sentia prazer.

Djarina começou a ter fé nos santos do terreiro e fez altar em casa: pipoca, cachaça, São Jorge Guerreiro. Jorge que tem jota que também está no nome dela. Jota de justiça, jardim, jabuticaba e jogo. Jogo de letras que, agora, acreditava, era mágico e certo. E virou feiticeira. Se apaixonou por gigolô e quis ser mãe. Parou de menstruar, teve leite nas mamas, sentia movimento no ventre, mas não era. Psicológico, diziam. E gigolô roubou celular recém comprado. E Djarina sentiu as letras embaralharem de novo.

E reviu seu nome, onde estaria a resposta. Podia ser nos encontros consonantais incertos. As vogais juntas formavam “aia” que apesar de ser uma criada, era nome bonito. Mas podia ser um “ai” de dor. Dor que tem o que é inicial do nome. E é letra confusa, é dúvida e dádiva, disperso e definição, doido e Deus. Deus? Nunca havia percebido e, no de desespero, doce e destino, sentiu que era um chamado. Foi para a igreja mais próxima onde, descobriu, abria filial perto do mar. Precisavam de ajuda na limpeza.

E Djarina foi lavar chão de igreja. Perto do mar, perto de Deus, se apaixonou de novo. Faltou menstruação e peito se encheu novamente de leite. Dessa vez, sem feitiço, sem engano, chegou filho sonhado. Pai queria nome bíblico e Djarina queria nome de mundo. Mundo que passou por ela e que ela passou por ele e com ele foi muitas: virgem, puta, feiticeira, louca, santa e mãe. E ser mãe era ser um alfabeto infinito. Também queria nome com éle de limpo, de leite, de lua, de letra e de liberdade, um dia.

Batizaram João Leorando em um domingo. Perguntavam se era Leonardo. E Djarina corrigia, sorria de sorriso sem fim de fecilidade.


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