Não era apenas um beija-flor, eram vários, e vários eram os outros pássaros que visitavam o jardim. Não era, tampouco, apenas uma flor que recebia beijo. Eram várias, tantas flores de múltiplos tons, abertas, convidativas, no jardim que parecia não ser um só, de tão imenso.
Imenso de um jeito descomedido, de não caber em si. Era tão grande o jardim dela que, quando a gente passeava por ele, com ela, não parecíamos ser um só. Ou, melhor dizendo, não queríamos ser um só, de tanta coisa bonita que tinha pra se ver, ao mesmo tempo, mas sem pressa, porque pressa é inimiga da perfeição.
Perfeição no sentido mais amplo, quero dizer. Porque, mesmo com tanta beleza verde, vermelha, azul, branca, lilás, parece que existia uma ordem. Uma ordem que brotou meio sem querer nos cantinhos mais difíceis, no teto de plástico e arame tomado de hastes e folhas, nas pequenas vielas delimitados por pedras suaves que permitem caminhar. Ainda que, durante esse caminho, sentar e ficar – talvez para sempre -, virasse vontade imediata.
Imediata porque a noção de pertencer batia direto no coração, estando ali. Pertencimento de quem a acompanhou semeando a terra, preparando o adubo, desenhando – sim, desenhando, por que ela era artista também – cada quadrado e cada contorno daquele santuário. Pertence a ela, a suas filhas e filhos, a experiência de ter visto cada muda sendo plantada, de dividir o sufoco ao pendurar uma, não, várias samambaias espaçosas, de aprender sobre as orquídeas devidamente sinalizadas com seus estranhos e científicos nomes. Phalaenopsis, de delicadas pétalas, Cattleyas, de perfumes suaves, Cymbidiums, que despontam em longas hastes. Era tudo muito bonito, no jardim da senhora de muitas prendas, que um dia se viu sozinha.
Sozinha, digo, porque os filhos foram crescendo e buscando destino, o tempo passa, vieram os netos, a casa ficou maior, sobrava espaço e faltava gente no jardim. Mas solitária nunca, isso não. Quando possível – e sempre era -, a prole voltava, traziam novidades, presentes, os netos, mais mudas, pedras arredondadas, vasos de várias formas e tamanhos, diferentes rosas e margaridas, rosários e santas, outra espécie de orquídea, e outra e outra. Trocavam notícias de seus cantos, dos seus mundos, preparavam juntos almoço e janta, batiam a massa do pão de queijo, se encantavam com os beija-flores, vários, regavam as plantas e, claro, pediam acertos e consertos nas camisas e vestidos que não cabiam mais – não contei, a mãe era costureira também, de mão cheia.
E ficávamos a ver tanta coisa nova e bonita no jardim, de olho na criançada sujando-se de terra e adubo, brincando com a vó, a mãe, aprendendo com ela sobre vida, dedicação e nomes de plantas, correndo sem rumo, sem pressa, porque pressa é inimiga da perfeição.