8 Marcelo Alves

Cinema como te amo

Você se considera uma pessoa romântica?

A pergunta veio de uma amiga, dias atrás, numa noitada etílica. Éramos eu, ela e outros dois, e não tínhamos bebido tanto a ponto de termos respostas e insights espetaculares e sem sentido, como todo bêbado tem. Enrolamos um pouco – Como assim, romântico? -, grunhimos algumas frases feitas e devolvemos a ela a questão, claro. Sem chegar num consenso, pedimos outra rodada.

No dia seguinte, sem álcool, pensei de novo na pergunta. Sendo esta amiga uma cinéfila de carteirinha, decidi que responderia a ela buscando na memória filmes que mais vezes eu assisti, desde a época quando o cinema me pegou de jeito. Não sei vocês, mas eu repetia sessões e sessões de alguns filmes, aqueles que projetavam genialidade e emoção em mim, transcendendo a razão e os trocados no meu bolso. Volto lá para os anos de 1980, ou próximo, antes de “Blade Runner”(1982) que, na adolescência adulta, eu decidi que seria meu cult por excelência – até hoje assisti 51 vezes, nas suas diversas versões. Antes, os filmes que mais me fizeram repetir idas ao cinema foram “Dio come ti amo”, de 1966 (nove vezes) e “Grease, nos tempos da brilhantina”, de 1978 (assisti doze vezes, decorei letras das músicas, colecionei as figurinhas no álbum, fazia poses esquisitas como o Travolta e sua turma e quase vendi a alma em troca de uma lambreta). “Superman, o filme”, também de 1978, assisti sete vezes, até me convencer que o homem realmente poderia voar. Além destes, tinha os filmes e séries do Tarzan, no cinema e na tevê. Via todos, mais de uma vez cada, com qualquer ator homem-macaco e seus diferentes gritos, com qualquer Jane, ou qualquer Chita.

Mas a memória mais afetiva e grudenta é “Dio come ti amo”, com seu roteiro de açucar refinado: Gigliola Cinquetti, cantora de sucesso já aos dezoito anos, interpreta uma humilde nadadora napolitana que vai para uma competição na Espanha e se apaixona pelo noivo de sua melhor amiga. O ápice é a cena final, com ela cantando o hit histórico que dá nome ao filme no alto-falante do aeroporto, tentando o perdão do amor, emburrado e já dentro do avião, onde ouvia sua música. Capturados pela cena e pela voz, e em suspense esperando o desenlace, ninguém ligava para a improvável sequência aeronáutica, uma montagem ruim, brega e irresistível. Lançado no final da década de 1960 no Brasil, o filme foi sucesso de público, tendo ficado 24 semanas seguidas em cartaz, com salas lotadas. Anos depois foi relançado várias vezes em diversos cinemas pelo interior do país, competindo com filmes religiosos (que para mim de nada serviram), e os intermináveis faroestes (que eu pouco assistia). Gigliola tinha toda minha atenção.

São estes dados que apresentarei à minha amiga, numa próxima noitada. E com a conclusão: eu repetia mais vezes os filmes de romance (Dio e Grease) do que os de aventura e ação (Super e Tarzans). Servirá isso como prova do meu romantismo? Acho que sim. Talvez ela ainda reforce, me lembrando cenas do casal da selva, abraçados e pendurados em cipós, e do Christopher Reeve conduzindo a Lois Lane num passeio à noite pelo céu. E, com seu jeito mandão, vai declarar que sou, na verdade, um romântico raiz. Não o último, talvez, mas um daqueles clássicos, de cinema.


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