1 Carla Penz

Gratidão

Abrigados na generosa sombra do alpendre daquele chalé em madeira no Passo D’Areia, escutávamos – eu e a Flika, querida pastora alemã – aquelas desajeitadas notas que meu pai, no andar de cima, tentava transformar em melodia.

Admirava-me com a sua persistência, até porque sabia o que esperar após as sessões de aprendizado naquela escaleta com teclado.

Logo em seguida, os sons atabalhoados davam lugar para a perfeita suavidade das teclas conduzidas por Dave Brubeck,  através da radiola valvulada Telefunken, com aqueles discos antigos de rotação 78 RPM.

A esta altura, Flika repousava suas grandes orelhas, apreciando a brandura harmônica de Brubeck ao piano e seu parceiro Paul Desmond no aveludado sax alto.

Difícil perceber – enquanto criança – que naqueles momentos de audição, minhas preferências musicais estavam sendo concebidas. Um dos relevantes legados do Seu José.

Na esteira do jazz, alternavam-se o samba de Gafieira, Milton Banana Trio, Simon & Garfunkel, Beatles, Creedence e tantos outros. Pelo menos até perto das 21h, quando ele cambiava os aparelhos. A vitrola dava lugar ao televisor General Electric para assistirmos os seriados da época.

Por vezes, Seu José prendia uma folha de plástico com três cores em frente da tela. Sua intenção, quero crer, era disfarçar os matizes em preto e branco do tubo de imagem.

Jornada nas Estrelas, Bonanza, Combate, Perdidos no Espaço, Jeannie é um Gênio, Batman, Terra de Gigantes, O Túnel do Tempo e Viagem ao Fundo do Mar são algumas séries que nos faziam ficar bem juntinhos, antes de ir para a cama.

Mais uma herança que se fez perpetuar. Tempos nostálgicos.

Intrincado imaginar meus dias sem músicas e sem filmes. Não tem como. 

Ao enveredar para o empreendedorismo, conquistei poder atuar visceralmente com a música. Foram quase sete anos à frente do Music Hall e, cotidianamente, convivendo com músicos e música de qualidade (lema do PUB), sobretudo jazz, blues e rhythm’n’blues.

Em Florianópolis, estabeleci o Expresso Jazz Café, cuja atmosfera exalava grandes ícones através dos LPs de jazz.

Já no último empreendimento, a Fellas Beer Cervejaria, a produção e o cuidado das cervejas sempre foram acompanhados pela boa música. Talvez, um dos motivos delas serem tão saborosas. Vez em quando, apresentações de músicos na fábrica eram motivo para reuniões de clientes, amigos e familiares. Tempos saudosos.

Seu José teve oportunidade de apreciar o Music Hall em algumas noites de jazz, inclusive ouvindo Take Five, da dupla Brubeck e Desmond.

Singela maneira de agradecimento que espero fazer parte de suas memórias no plano em que se encontra há alguns anos. Grato pai.


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