Maria Amélia Mano em foto de Flávio Wild

Infinitos

Maria Amélia Mano

Só no ato do amor –

pela límpida abstração de estrela do que se sente –

capta-se a incógnita do instante…

Clarice Lispector

Cidade em quarta qualquer, manhã mínima, primavera anônima. Hoje, Clarice, procuro a essência da vida em teus poemas. Pra isso, dei de olhar invisíveis instantes. Infinitos instantes.

Casal idoso de cadeira de rodas passeia nas ruas de mãos dadas. Ele pode andar, mas comprou cadeira só pra acompanhar a amada. É instante suspenso que se deseja longo. E tudo que alonga tempo de mãos dadas, vale apostar. Vale sonhar, caminhar, mesmo que de outro jeito.

Ônibus tem cantoria. Cobrador faz sessenta anos e, sem folga, quer comemorar. Viajantes rotineiros fazem festa surpresa. É instante suspenso que se deseja longo. E tudo que alonga tempo de alegria e partilha vale acontecer. Vale ser e enternecer, mesmo em movimento, expectativa, atenção.

Criança com seus oito anos deita com mãe na grama do parque. Pálida, não tem cabelos nem sobrancelhas. Usa lenço na cabeça. É instante suspenso que se deseja longo. E tudo que alonga tempo de vida que não se sabe quanto, vale sorrir. Vale existir, resistir, mesmo com medo, dúvida.

Encontros, trajetos, esperanças, relógio que se deseja abrandar, enganar. É solidão e multidão que passa e insiste: instante, incógnita. E te releio, revejo e revelas que segredos e magias não estão somente no tempo suspenso. Que o que alonga e torna imenso o ínfimo é o que se sente.

Cidade em quarta qualquer, manhã mínima, primavera anônima. Hoje, Clarice, encontro a essência da vida em teus poemas. Pra isso, dei de olhar invisíveis atos de amor. Infinitos atos de amor.


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