Um mar de água doce

Quem escolhe passar o dia inteiro à beira-mar no verão está sujeito a um desconforto: depois de inevitáveis banhos, ao secarmos ao sol, a pele restará pinicando pelo excesso de sal e areia. Enquanto escrevo, até me deu uma coceira nas costas – fenômeno que também acontece quando falo sobre formigas. Para dirimir o fato, existem em alguns balneários os chuveiros de água doce.

Porém isso é novidade. Na minha infância e juventude tínhamos que aguentar o desconforto na pele, para não dizer “no osso”. É quando me lembro de um personagem do passado, seu Renê. Em função de seu prazer em praticar camping selvagem, assim chamado por ser fora de estruturas reservadas a bem receber campistas, ele sempre esteve envolvido com a falta de água doce. Então, criou um chuveiro capaz de extrair a água do lençol subterrâneo que está indo para o mar.

A existência de água salobra a cerca de dois metros da superfície sempre foi um fato por mim conhecido. Os poços dos quais bombávamos – à mão – a água “doce” na Praia do Barco nos anos 1960 tinham mais ou menos essa profundidade. Claro que existia um percentual de salinidade, mas era tolerável. Para cozinhar, dava-se prioridade para a água da cisterna. Lavagem de louça, roupa, casa e corpos, só com o precaríssimo poço. E ninguém adoecia.

Seu Renê criou um sistema portátil de furar poços instantâneos de até dois metros de profundidade na areia. Também um chuveirinho e uma bomba manual. Com isso, sem depender de ninguém, o veranista poderia amainar o desconforto da água salgada. Chamávamos de “Ducha Portátil” e até – garotos voluntariosos – ajudamos no desenvolvimento do produto (logotipo, embalagem, participação em feiras etc.). Não chegou a ser um sucesso de vendas…

Às vezes me surpreendo com a quantidade de experiências de vida que podemos acumular. Para tal, basta ser curioso e disponível – coisas que sempre fui. É a maneira mais divertida de transformar atividades tão aleatórias quanto tirar o sal do mar da nossa pele em sorrisos fáceis nascidos de lembranças afetivas. Ó: até passou a coceira.


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