Iara Tonidantel em foto de Andréa Steiner

A cama esquenta

Iara Tonidantel

Há muito se encontraram.
Se conheceram por aí, em uma noite estrelada, nas ruas da busca pela vida plena. Olhos se cruzaram, sorrisos entrelaçaram suas almas, conversas à toa se aprofundaram. Sentiram o cheiro de suas nucas e o poder da atração nos dedos enredados nos cabelos.

Marcaram de se ver na outra semana. Não aconteceu.

Ela precisou viajar.

Ele também.

Modernidade. Os dois com suas histórias de vida para dar conta. Família, trabalho, amigos.

Cada um em seu canto, pensava e imaginava, como teria sido. Os beijos, as carícias, o prazer. Teriam confessado suas vidas passadas? Antes ou depois? Teria sido intenso, voluptuoso? As mãos teriam percorrido os caminhos certos para despertar o que havia de melhor em cada um? As bocas teriam feito os corpos sentirem arrepios e se encaixarem da forma mais perfeita? A vontade de quero novamente teria ficado na pele e na mente? O verbo teria era um companheiro constante nos seus relógios.

Estes pensamentos ocorriam, quase sempre, à noite. O silêncio permitia viajarem de forma infinda pelas perguntas sem respostas. Pelas imagens pensadas e não realizadas. Pelos desejos sentidos e não atendidos. Pela dúvida. Pela inquietação.

Mensagens escritas que nunca foram enviadas. O medo da memória não ter registrado o encontro. A ideia da intensidade do momento, para o Outro, inexistir. E a sensação de sentir a incrível devassidão do que não foi, mas poderia. Imobilizados pelo medo. Pela magia de um sonho não realizado.

Retornaram inúmeras vezes, em total desencontro, àquela rua. Em horários diversos, atentos no movimento das faces que transitavam. Houve momentos em que: eis! Está aqui. Enfim!

Aceleravam o passo e chegaram a bater no ombro de alguns. Não foi desta vez. Na próxima, talvez, tenho mais sorte.

Madrugada. Os corpos rolaram várias vezes pela cama. O controle da TV já foi acionado, on-off, dezenas de vezes. Livros já foram abertos e fechados. Textos breves escritos e deletados.

A cama esquenta. O que restou?

A varanda.
O céu estrelado.
Os pensamentos.
Quem sabe, um dia.


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