Quando o super-homem era bebê, lá em Krypton, ele não tinha superpoderes. Era apenas mais um garotinho como tantos outros. Brincava com seus carrinhos e bichos de pelúcia, jogava bola e encaixava blocos. Também brincava com suas duas bonecas, vestidas de rosa e lilás, porque, naquela sociedade, não havia distinção entre brincadeiras de meninos e de meninas. Seus pais eram cientistas e, prevendo a aproximação de um cometa que iria colidir e acabar com Krypton, prepararam tudo em detalhes, para tirar o único filho dali enquanto era tempo. Construíram uma mini espaçonave, onde coubesse o pequeno Kal, alguns brinquedos e outros pertences, além de suprimentos que julgavam serem suficientes para a grande viagem.
Entre tantas galáxias, com uma infinidade de planetas, escolheram a Terra, porque lhes pareceu um lugar saudável, que guardava certa semelhança com o que fora Krypton antes da grande ganância tomar conta. No planeta escolhido havia oxigênio e muita água. A vegetação era abundante e a diversidade de espécies vegetais e animais superava em muito a flora e a fauna local. Não tinham dúvidas de que seria o lugar ideal para Kal-El crescer em segurança. Como o tempo corre de maneira diferente em pontos distantes do universo, a viagem demorou anos. Kal saiu de lá pouco mais do que um bebê e chegou na Terra um menino crescido. Também o tempo de referência que os pais tinham do planeta Terra já não era o mesmo. Muito daquela natureza exuberante fora destruída. Espécies extintas e poluição de todo o tipo compunham um quadro inimaginável para eles. Além de que a grande ganância já tinha chegado no Planeta Azul.
A nave aterrissou na área rural de uma cidade do interior paulista. O menino, já com alguma independência, saiu em busca de ajuda e encontrou aqueles que vieram a ser seus pais adotivos. Inteirados da procedência da criança, pelo relato da família de origem gravado em um pendrive, trataram de sumir com a nave e manter em sigilo a identidade do pequeno. Tudo estaria perfeito, não fosse o bullying. Clark, como era chamado agora, gostava da cor lilás, mas não era permitido. Na escola, brincava com os meninos de coisas brutas, como lutas e futebol. Quando se cansava, ia para junto das meninas, para brincadeiras mais lúdicas. Cochichos e risadas pelos cantos, deixavam-no intrigado. Seus instintos eram travados, na escola, pelas educadoras. E, em casa, pelos pais, que temiam o pior. Até que chegou o dia da tragédia.
Era um domingo. Após o culto, a família dirigiu-se à praça em frente à Igreja. Muitos casais levavam os filhos para aproveitarem a grande área verde com balanços e quadra de esportes. Duas meninas da escola de Clark brincavam com suas bonecas na grama. Ele, reconhecendo as amiguinhas, aproximou-se e pediu para fazer parte, ao que elas consentiram, alcançando-lhe uma terceira boneca. Instigados pelos pais machistas, a garotada começou a fazer troça. Como a vítima não reagiu, evoluíram para xingamentos mais grosseiros e empurrões. Por fim, garotos maiores começaram a bater nele, sob os olhos aterrorizados dos pais, que tentavam impedir. Foi, então, que o super menino, desconhecendo seus poderes, reagiu e fez uma carnificina na frente da Igreja. Um verdadeiro horror! Antes que pudessem aprisioná-lo em um laboratório de estudo de ETs, os pais o resgataram das mãos do Conselheiro Tutelar e fugiram para bem longe. Desde então, Clark vive como fugitivo e herói. Sempre pronto a usar seus superpoderes para ajudar os mais fracos, ganhou fama, uma legião de admiradores e outra de inimigos. Mas, na verdade, tudo o que o menino de Krypton mais deseja é sair da clandestinidade e viver como um terráqueo normal. Sonha um dia poder dançar balé e se apresentar no Theatro Municipal.