2 Phil Devries

A intervenção

Antônio anda muito estranho. Há dias. Prova disso é a pilha de jornais que cresce no aparador da sala. Ele mal põe os olhos nas manchetes da primeira página e os joga ali, sem ler as tirinhas e deixando as palavras cruzadas intactas. Os amigos se preocupam, com razão. Nos mais de vinte anos de amizade só o viram assim quando perdeu a mãe, ainda guri. Foram meses de risos poucos e brincadeiras tristonhas, as bolitas esquecidas, o Gameboy abandonado. Nem mesmo as palhaçadas de Tuco e Diogo o faziam reagir. Desenhava com Maria Alice, Cinara e Rafa, sentados no chão da sala, compartilhando o silêncio e os lápis de cor. Semanas depois, a alegria e o humor debochado estavam de volta e tudo voltou a ser como sempre foi. Até agora.

Ele demora para responder as mensagens no WhatsApp, quase sempre, com um joinha. Recusa convites para almoçar. Cinema, nem pensar. Deixou os ingressos do show do Jota Quest na caixa de correio da Cinara, junto, um bilhete avisando que não iria, que se divertissem sem ele. Alarmada, a amiga fez uma videochamada com os outros. Antônio abrir mão do show foi o estopim da crise. Decidiram fazer uma intervenção e descobrir o que estava acontecendo. Fariam um jantar na casa da Maria Alice; Tuco e Diogo o buscariam, não aceitariam recusa.

Antônio ensaiou uma negativa, mas cedeu aos apelos dos companheiros de infância. O acolhedor apartamento de Maria Alice já viu muitos encontros, para assistir jogos de futebol, comer pizza, conversar sobre tudo e qualquer coisa. Os amigos abraçam Antônio, o enchem de carinho. Logo uma cerveja gelada já está em suas mãos e desce pela garganta, enquanto ele observa a bagunça animada na cozinha. As gurias estão preparando a famosa pizza Os seis amigos, inventada na adolescência, quando jogaram sobre a massa tudo o que encontraram na geladeira e nos armários da casa de veraneio, em Capão da Canoa. É a pizza da resolução de problemas, da cura dos corações partidos. Usada em situações de emergência, como essa que enfrentam agora. Antônio sabe disso, mas permanece calado a todas as investidas que recebe.

Em torno da mesa, conversam e comem grossas e recheadas fatias de pizza. Antônio acompanha a conversa, embora se distraia com o enorme lustre que pende do teto. Embalado pela cerveja, ele finalmente revela o que se passa. Conta que, mês passado, ao voltar do trabalho, tarde da noite, uma luz amarelada surgiu diante dele, formando uma coluna que se erguia do asfalto ao céu. Pisou no freio com vontade, desceu do carro e caminhou até a luz. Seus pés descolaram do chão e ele flutuou para o alto, num túnel iluminado. Era tudo o que se lembrava, mas sabia que seus dias na Terra estavam contados. Aquela luz viria buscá-lo a qualquer momento. Os amigos, embasbacados, começam a pensar que Antônio enlouqueceu. Ele nunca fora dado a essas coisas de extraterrestres. Nem mesmo filmes de ficção científica o agradam.

– O túnel de luz era mais ou menos como esse do teu lustre, Lice.

Tomam uns goles de cerveja, sem saber o que dizer. Ouvem uma explosão e as luzes se apagam. Logo a energia retorna e o apartamento se ilumina. Mas Antônio desapareceu. Meio bêbado, Tuco aponta para o lustre e declara:

– Acho que os ETs levaram o Tonho.

Os cinco se põem a observar o lustre, procurando vestígios do amigo ou dos ETs no facho de luz. Logo começam a gritar por ele, ameaçando chamar a polícia. Maria Alice é a primeira a desmanchar o sorriso, enchendo-se de temor. Atrás deles, uma voz ecoa, divertida:

– O que vocês estão olhando aí? Cara, só fui buscar uma cerveja gelada na cozinha!


gostou? comente!

Rolar para cima